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23 de fev. de 2022

Eu não aguento mais criar conteúdo


"Eu não aguento mais criar conteúdo", disse a pessoa produzindo conteúdo em um texto que está sendo lido por você nesse exato momento. A mesma pessoa que trabalha com isso de três formas diferentes (para o próprio blog/canal/redes e para duas editoras, sem contar os freelas). A mesma pessoa que ama produzir conteúdo.

Só que eu estou cansada.

A verdade é que meu cérebro já está condicionado e programado a tentar transformar absolutamente tudo em conteúdo a todo instante. Não é algo que dá pra desligar. O que significa que, durante todo o tempo que estou acordada, estou de plantão, colhendo informações e observando meu cérebro processá-las, tentando transformá-las em algo novo que possa gerar algum tipo de resposta em alguém, ou que gere o ímpeto de comprar aquele produto relacionado ao assunto em questão (no meu caso, seja comprar uma ideia ou querer comprar um livro mesmo). O horário comercial se torna todo e qualquer horário em que estou acordada e consciente, ou seja, existindo.

Não me leve a mal, eu amo o que faço, não me vejo fazendo outra coisa no momento e estou descobrindo cada vez mais que consegui transformar exatamente aquele desejo de me comunicar com as pessoas, que me fez cursar Jornalismo em uma realidade e profissão. Só que estou tendo um sério problema em fazer meu cérebro desligar um pouquinho, ou pelo menos criar um distanciamento entre aquilo que eu faço por dinheiro e o que absorvo de informação como um ser humano normal.

Gostaria que minha mente batesse ponto. A maior parte das pessoas só começa a trabalhar quando bate o ponto na empresa, e termina o expediente batendo o ponto na saída. O trabalho começa e termina ali (pelo menos deveria ser assim). Só que o meu trabalho não me permite isso. Porque trabalho com internet, com o famoso "conteúdo".

Chame de criadora de conteúdo, influencer, social media, copywriter, ou o que quer que seja a nova palavra ou termo aceitos pelos publicitários. A maior parte da minha rotina é composta pelo tempo que gasto criando textos, fotos, vídeos, qualquer coisa que chegue para as pessoas de forma on-line. Ao mesmo tempo em que fico superfeliz em poder trabalhar e ganhar a vida criando e postando coisas na internet, sinto falta de uma época em que as redes sociais serviam apenas como diários visuais e pontes entre pessoas que talvez não tivéssemos a chance de conhecer se não fosse via internet. Hoje tudo é conteúdo, tudo precisa ser mastigado, tudo precisa existir com um propósito. E se isso já é cansativo para quem está do outro lado da tela, imagina para quem precisa fazer isso acontecer como ganha pão?

Alguns dos trabalhos que mais gosto envolvem muito tempo de pesquisa, e são apaixonantes porque sinto que, além de contribuir de alguma forma para quem vai ler, também aprendo muito no processo. Eu amo estudar, amo ler, amo aprender. Só no segundo semestre do ano passado tive o privilégio de poder escrever textos biográficos e prefácios para entrar em livros superlegais A sensação de ver aquele texto impresso, encadernado nas páginas de cada um dos livros, me deu a esperança de que ainda existe algum tipo de conteúdo que consegue se manter minimamente duradouro. E acho que talvez esse seja justamente um dos grandes problemas das redes sociais, e um dos principais motivos do meu cansaço em relação a elas. Ao mesmo tempo em que aquilo que está na internet está ali para sempre, vivemos uma era de efemeridade em que tudo tem um prazo de validade irrisório.

Quando meu cérebro não está fritando com informações e ideias, está refletindo sobre como estamos absolutamente à mercê das redes sociais. O pior é que, como tudo hoje em dia se baseia na produção de conteúdo, e como as redes sociais priorizam conteúdos fáceis e rápidos, entramos em um looping de ter que sempre produzir mais, mais e mais. Chegamos em um ponto em precisamos produzir e o conteúdo precisa viralizar, mesmo que ele nem seja tão bom assim. Me sinto pressionada a estar sempre entregando algo porque, caso contrário, o alcance diminui e o engajamento desaparece. E reconquistar isso depois é um parto.

Então o conteúdo de valor, que é algo que prezo, vai ficando esquecido e menosprezado diante da última dancinha do TikTok. Perdi a conta de quantas vezes gastei dias de pesquisa e escrita para produzir um conteúdo que mal foi entregue para duzentas pessoas, enquanto uma coreografia repetitiva batia fácil os milhares de acessos, com vinte segundos de vídeo. É um desânimo para quem trabalha com isso e tenta se virar entre as tendências, também para quem consome conteúdo. Acho que eu sofreria um pouco menos se percebesse que, pelo menos, o que estou fazendo está chegando para quem deveria chegar. No mínimo, para quem escolheu me seguir e consumir aquilo, porque hoje em dia nem isso acontece. A verdade é que estamos cansados de receber apenas aquilo que algum algoritmo acha que queremos receber.

Veja, sem julgamentos, também acho divertido assistir um casal bonito se atrapalhando com uns passinhos engraçados, é um conteúdo leve e divertido que não precisa querer vender nada para existir. A única rede que ainda uso apenas com fins de entretenimento é o TikTok e faço questão de apenas curtir vídeos de gatinhos para que só isso apareça para mim. É meu tempo de descanso mental quando estou on-line. Nem tudo precisa ser informativo, nem tudo precisa agregar algo, nem tudo precisa fazer pensar também. Ai do nosso cérebro!

Só que o problema é que essa linha entre entretenimento e consumo não existe mais, e parece que nem as próprias redes sociais sabem como lidar com o usuário. Então entramos em uma realidade em que, de um lado, quem consome as redes sociais a nível pessoal não tem mais saco pra entrar nelas porque só encontra anúncio, loja e conteúdo sendo forçado goela abaixo, e, do outro, temos aqueles que se viram para trabalhar com isso produzindo conteúdo de valor, mas que tem que ser facilmente absorvido e rapidamente consumido, que impacte, que não pareça um marketing raso, que gere algo positivo no usuário. Só que o que fazer quando a pessoa que produz não aguenta mais ser submetida à experiência do próprio usuário? Não é à toa que está surgindo, cada vez mais, o questionamento se as redes sociais estão morrendo. Porque nem os próprios usuários estão aguentando mais.

Para além disso, o que fazer quando estamos tão imersos em tantos estímulos que sequer conseguimos reter uma informação por mais de alguns minutos? Tem um perfil que eu adoro acompanhar no Instagram que é o Agência de Bolso. Em um dos posts do perfil, o autor falou sobre a curva do esquecimento. Segundo o psicólogo alemão Hermann Ebbinghau, quanto mais o tempo passa, mais esquecemos o que foi visto ou lido por nós. Só uma hora depois de lermos algo já esquecemos metade do que foi "aprendido" e, se não revisarmos e praticarmos aquilo, o cérebro considera a informação irrelevante e, como um post vergonhoso de 2011, deleta. Agora eu te pergunto: quantas vezes você parou tudo para ler um post que apareceu no seu feed? Realmente ler com toda a atenção? Quantas vezes você voltou, releu, pesquisou mais a respeito, ficou pensando naquilo? Arrisco dizer que se foi um em cada dez, você já está bem acima da média.

Cheguei em um ponto em que, às vezes, sequer lembro do que eu mesma escrevi e isso é assustador. Às vezes sinto que só transformei aquela máxima do Jornalismo de que a notícia de hoje vai embrulhar a banana no mercado amanhã de manhã. Pensando assim, pelo menos não me afastei tanto da profissão da qual me graduei, né? kkkkrying

Também que chegamos no ponto em que a grande parte das pessoas nem sabe que está consumindo conteúdo capitalizado ou com fins de venda, nem que essa venda seja de um estilo de vida e não de um produto material. Acho que talvez seja por isso que algumas plataformas como Telegram, Discord e Twitch estejam crescendo tanto, porque elas prometem interação de verdade. Genuína.

É óbvio que quem trabalha com isso vai dar um jeito de encaixar uma publi ali em algum lugar, mas é uma forma mais direta, honesta e transparente de vender alguma coisa. E talvez seja por isso mesmo que sejam plataformas que eu, hoje, mais uso no meu dia a dia. Trabalho com a Twitch? Trabalho, mas, usando a frase favorita dos BBBs, "vejo mais verdade ali". Uso a Twitch porque vejo pessoas ali, não vitrines, uso o Discord porque ouço a voz dos meus amigos, não uma música chiclete que vai dar lugar a outra tendência amanhã.

Continuo sendo apaixonada por conteúdo porque conteúdo é informação, conexão, interação, mensagem. E como boa comunicadora (o sol em gêmeos aí também ajuda), gosto de sentir que palavras podem levar mais do que só alguns caracteres. O problema é o equilíbrio.

Por muito tempo pensei que a resposta para esse dilema talvez fosse separar melhor o tempo e a disposição entre aquilo que está sendo feito por trabalho e aquilo que é feito por prazer. Mas em meio a tanta coisa tão massificada, penso que, talvez, a solução seja colocar mais de si naquele conteúdo, mesmo que ele seja criado de forma mais lenta e cuidadosa, mesmo que ele não seja entregue pra quase ninguém.

Gosto de pensar que aquilo que faz sentido para alguém só precisa fazer sentido para uma pessoa. Já tá valendo se for de verdade. E quero acreditar que aquilo que eu faço é diferente de todo o resto, nem que seja um pouquinho. Porque coloco muito de mim ali, e espero que as pessoas enxerguem pelo menos isso.

Daqui, sigo apaixonada pela internet e todos os milagres que ela opera. Agradeço por ser meu ganha pão e fonte diária de inspiração. Mas ainda estou descobrindo um jeito de desacelerar (por mais slow content, por favor) e de não enxergar conteúdo em tudo aquilo que acho minimamente relevante ou interessante. Aceito dicas de quem souber a resposta para esse dilema, porque meu cérebro agradece.

Esse texto foi publicado originalmente em uma newsletter escrita por mim e duas das minhas melhores amigas. A "na minha cabeça faz sentido" é uma newsletter criada por mim e duas amigas. Cada news é conduzida por um tema central, que ocupou o nosso mês de forma tão intensa que rendeu algumas reflexões, mas você vai perceber que cada uma de nós tem a sua própria interpretação a respeito. Saiba mais aqui!

*Para fins de direitos autorais, declaro que as imagens utilizadas neste post não pertencem ao blog. Qualquer problema ou reclamação quanto aos direitos de imagem podem ser feitas diretamente com nosso contato. Atenderemos prontamente Photo by Andrew Neel on Unsplash

Escrevo textos como esse que você leu durante lives de foco e produtividade, algo que cresceu bastante durante a pandemia. Quer focar comigo? Me acompanhe lá na Twitch

2 comentários:

  1. Oi minha linda, fez super sentido pra mim também.
    Há alguns dias atrás eu reli vários textos que eu mesma escrevei e isso muda demais como nos vemos hoje em dia, dá para notar as mudanças, o cérebro muda e a vida vai girando de uma maneira surreal.
    E eu não tenho a receita do bolo para que isso mude, muitas coisas cansam ao longo do tempo mas, acho que parar uns dias, respirar e pegar aquele gás de volta para voltar a fazer as coisas é algo bom para ser feito.
    Super te entendo e sinta-se abraçada.
    Beijos.


    https://www.parafraseandocomvanessa.com.br/

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  2. Ótimo texto!

    Acho que um dos motivos de não largar meu blog é justamente a efemeridade das redes sociais. O blog é meu espaço. Se o Twitter ou o TikTok amanhã caírem, meu conteúdo continua o mesmo, só vou ter que veicular de outra maneira. E apesar de ter tido crescimento contínuo com o meu blog em doze anos de existência, ao mesmo tempo sinto que não estou atingindo diretamente mais pessoas.

    Um tempo atrás li um livro chamado O cérebro no mundo digital que falava sobre o excesso de telas e a incapacidade de leitura profunda que o excesso de informações causa. Sem a capacidade de ler profundamente não conseguimos absorver a informação, pensar sobre ela e tirar dela uma conclusão. Diminuí muito o número de canais de notícias que seguia e sigo portais pontuais, onde leio textos inteiros, ao invés de passar de olhos em meia dúzia. Isso me ajudou muito a diminuir a intensidade e a compreender melhor as coisas que lia.

    Infelizmente sei que poucas pessoas hoje fazem isso. Elas engolem conteúdos indicados por algoritmos e nem percebem que até seu click está capitalizado por alguma ação. Uma pena. A falta de uma capacidade de pensamento crítico traz consequências terríveis para todos.

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