"Eu
não aguento mais criar conteúdo", disse a pessoa produzindo conteúdo
em um texto que está sendo lido por você nesse exato momento. A mesma pessoa
que trabalha com isso de três formas diferentes (para o próprio blog/canal/redes
e para duas editoras, sem contar os freelas). A mesma pessoa que ama
produzir conteúdo.
Só que eu
estou cansada.
A verdade é
que meu cérebro já está condicionado e programado a tentar transformar
absolutamente tudo em conteúdo a todo instante. Não é algo que dá pra desligar.
O que significa que, durante todo o tempo que estou acordada, estou de plantão,
colhendo informações e observando meu cérebro processá-las, tentando
transformá-las em algo novo que possa gerar algum tipo de resposta em alguém,
ou que gere o ímpeto de comprar aquele produto relacionado ao assunto em
questão (no meu caso, seja comprar uma ideia ou querer comprar um livro mesmo).
O horário comercial se torna todo e qualquer horário em que estou acordada e
consciente, ou seja, existindo.
Não me leve
a mal, eu amo o que faço, não me vejo fazendo outra coisa no momento e estou
descobrindo cada vez mais que consegui transformar exatamente aquele desejo de
me comunicar com as pessoas, que me fez cursar Jornalismo em uma realidade e
profissão. Só que estou tendo um sério problema em fazer meu cérebro desligar
um pouquinho, ou pelo menos criar um distanciamento entre aquilo que eu faço
por dinheiro e o que absorvo de informação como um ser humano normal.
Gostaria
que minha mente batesse ponto. A maior parte das pessoas só
começa a trabalhar quando bate o ponto na empresa, e termina o expediente
batendo o ponto na saída. O trabalho começa e termina ali (pelo menos deveria
ser assim). Só que o meu trabalho não me permite isso. Porque trabalho com
internet, com o famoso "conteúdo".
Chame de
criadora de conteúdo, influencer, social media, copywriter,
ou o que quer que seja a nova palavra ou termo aceitos pelos publicitários. A
maior parte da minha rotina é composta pelo tempo que gasto criando textos,
fotos, vídeos, qualquer coisa que chegue para as pessoas de forma on-line.
Ao mesmo tempo em que fico superfeliz em poder trabalhar e ganhar a vida
criando e postando coisas na internet, sinto falta de uma época em que as redes
sociais serviam apenas como diários visuais e pontes entre pessoas que talvez
não tivéssemos a chance de conhecer se não fosse via internet. Hoje tudo é
conteúdo, tudo precisa ser mastigado, tudo precisa existir com um propósito.
E se isso já é cansativo para quem está do outro lado da tela, imagina para
quem precisa fazer isso acontecer como ganha pão?
Alguns dos
trabalhos que mais gosto envolvem muito tempo de pesquisa, e são apaixonantes
porque sinto que, além de contribuir de alguma forma para quem vai ler, também
aprendo muito no processo. Eu amo estudar, amo ler, amo aprender. Só no segundo
semestre do ano passado tive o privilégio de poder escrever textos biográficos
e prefácios para entrar em livros superlegais A sensação de ver aquele texto
impresso, encadernado nas páginas de cada um dos livros, me deu a esperança de
que ainda existe algum tipo de conteúdo que consegue se manter minimamente
duradouro. E acho que talvez esse seja justamente um dos grandes problemas das
redes sociais, e um dos principais motivos do meu cansaço em relação a elas. Ao
mesmo tempo em que aquilo que está na internet está ali para sempre, vivemos uma
era de efemeridade em que tudo tem um prazo de validade irrisório.
Quando meu
cérebro não está fritando com informações e ideias, está refletindo sobre como
estamos absolutamente à mercê das redes sociais. O pior é que, como tudo hoje
em dia se baseia na produção de conteúdo, e como as redes sociais priorizam
conteúdos fáceis e rápidos, entramos em um looping de ter que sempre
produzir mais, mais e mais. Chegamos em um ponto em precisamos produzir e o
conteúdo precisa viralizar, mesmo que ele nem seja tão bom assim. Me sinto
pressionada a estar sempre entregando algo porque, caso contrário, o alcance
diminui e o engajamento desaparece. E reconquistar isso depois é um parto.
Então o
conteúdo de valor, que é algo que prezo, vai ficando esquecido e menosprezado
diante da última dancinha do TikTok. Perdi a conta de quantas vezes gastei dias
de pesquisa e escrita para produzir um conteúdo que mal foi entregue para duzentas
pessoas, enquanto uma coreografia repetitiva batia fácil os milhares de
acessos, com vinte segundos de vídeo. É um desânimo para quem trabalha com isso
e tenta se virar entre as tendências, também para quem consome conteúdo. Acho
que eu sofreria um pouco menos se percebesse que, pelo menos, o que estou
fazendo está chegando para quem deveria chegar. No mínimo, para quem
escolheu me seguir e consumir aquilo, porque hoje em dia nem isso acontece. A
verdade é que estamos cansados de receber apenas aquilo que algum algoritmo
acha que queremos receber.
Veja, sem
julgamentos, também acho divertido assistir um casal bonito se atrapalhando com
uns passinhos engraçados, é um conteúdo leve e divertido que não precisa querer
vender nada para existir. A única rede que ainda uso apenas com fins de
entretenimento é o TikTok e faço questão de apenas curtir vídeos de gatinhos
para que só isso apareça para mim. É meu tempo de descanso mental quando estou on-line.
Nem tudo precisa ser informativo, nem tudo precisa agregar algo, nem tudo
precisa fazer pensar também. Ai do nosso cérebro!
Só que o
problema é que essa linha entre entretenimento e consumo não existe mais, e
parece que nem as próprias redes sociais sabem como lidar com o usuário. Então
entramos em uma realidade em que, de um lado, quem consome as redes sociais a
nível pessoal não tem mais saco pra entrar nelas porque só encontra anúncio,
loja e conteúdo sendo forçado goela abaixo, e, do outro, temos aqueles que se
viram para trabalhar com isso produzindo conteúdo de valor, mas que tem que ser
facilmente absorvido e rapidamente consumido, que impacte, que não pareça um marketing
raso, que gere algo positivo no usuário. Só que o que fazer quando a
pessoa que produz não aguenta mais ser submetida à experiência do próprio
usuário? Não é à toa que está surgindo, cada vez mais, o questionamento se
as redes sociais estão morrendo. Porque nem os próprios usuários estão
aguentando mais.
Para além
disso, o que fazer quando estamos tão imersos em tantos estímulos que sequer
conseguimos reter uma informação por mais de alguns minutos? Tem um perfil que
eu adoro acompanhar no Instagram que é o Agência de Bolso. Em um dos
posts do perfil, o autor falou sobre a curva do esquecimento. Segundo o
psicólogo alemão Hermann Ebbinghau, quanto mais o tempo passa, mais esquecemos
o que foi visto ou lido por nós. Só uma hora depois de lermos algo já
esquecemos metade do que foi "aprendido" e, se não revisarmos e
praticarmos aquilo, o cérebro considera a informação irrelevante e, como um post
vergonhoso de 2011, deleta. Agora eu te pergunto: quantas vezes você parou
tudo para ler um post que apareceu no seu feed? Realmente ler com
toda a atenção? Quantas vezes você voltou, releu, pesquisou mais a respeito,
ficou pensando naquilo? Arrisco dizer que se foi um em cada dez, você já
está bem acima da média.
Cheguei em
um ponto em que, às vezes, sequer lembro do que eu mesma escrevi e isso é assustador.
Às vezes sinto que só transformei aquela máxima do Jornalismo de que a
notícia de hoje vai embrulhar a banana no mercado amanhã de manhã. Pensando
assim, pelo menos não me afastei tanto da profissão da qual me graduei, né?
kkkkrying
Também que
chegamos no ponto em que a grande parte das pessoas nem sabe que está
consumindo conteúdo capitalizado ou com fins de venda, nem que essa venda seja
de um estilo de vida e não de um produto material. Acho que talvez seja por
isso que algumas plataformas como Telegram, Discord e Twitch estejam crescendo
tanto, porque elas prometem interação de verdade. Genuína.
É óbvio que
quem trabalha com isso vai dar um jeito de encaixar uma publi ali em
algum lugar, mas é uma forma mais direta, honesta e transparente de vender
alguma coisa. E talvez seja por isso mesmo que sejam plataformas que eu, hoje,
mais uso no meu dia a dia. Trabalho com a Twitch? Trabalho, mas, usando a
frase favorita dos BBBs, "vejo mais verdade ali". Uso a Twitch
porque vejo pessoas ali, não vitrines, uso o Discord porque ouço a voz dos meus
amigos, não uma música chiclete que vai dar lugar a outra tendência amanhã.
Continuo
sendo apaixonada por conteúdo porque conteúdo é informação, conexão, interação,
mensagem. E como boa comunicadora (o sol em gêmeos aí também ajuda),
gosto de sentir que palavras podem levar mais do que só alguns caracteres. O
problema é o equilíbrio.
Por muito
tempo pensei que a resposta para esse dilema talvez fosse separar melhor o
tempo e a disposição entre aquilo que está sendo feito por trabalho e aquilo
que é feito por prazer. Mas em meio a tanta coisa tão massificada, penso que,
talvez, a solução seja colocar mais de si naquele conteúdo, mesmo que ele seja
criado de forma mais lenta e cuidadosa, mesmo que ele não seja entregue pra
quase ninguém.
Gosto de
pensar que aquilo que faz sentido para alguém só precisa fazer sentido para uma
pessoa. Já tá valendo se for de verdade. E quero acreditar que aquilo que eu
faço é diferente de todo o resto, nem que seja um pouquinho. Porque coloco
muito de mim ali, e espero que as pessoas enxerguem pelo menos isso.
Daqui, sigo
apaixonada pela internet e todos os milagres que ela opera. Agradeço por ser
meu ganha pão e fonte diária de inspiração. Mas ainda estou descobrindo um
jeito de desacelerar (por mais slow content, por favor) e de não
enxergar conteúdo em tudo aquilo que acho minimamente relevante ou
interessante. Aceito dicas de quem souber a resposta para esse dilema,
porque meu cérebro agradece.
Esse texto foi publicado originalmente em uma newsletter escrita por mim e duas das minhas melhores amigas. A "na minha cabeça faz sentido" é uma newsletter criada por mim e duas amigas. Cada news é conduzida por um tema central, que ocupou o nosso mês de forma tão intensa que rendeu algumas reflexões, mas você vai perceber que cada uma de nós tem a sua própria interpretação a respeito. Saiba mais aqui!
*Para fins de direitos autorais, declaro que as imagens utilizadas neste post não pertencem ao blog. Qualquer problema ou reclamação quanto aos direitos de imagem podem ser feitas diretamente com nosso contato. Atenderemos prontamente Photo by Andrew Neel on Unsplash
Oi minha linda, fez super sentido pra mim também.
ResponderExcluirHá alguns dias atrás eu reli vários textos que eu mesma escrevei e isso muda demais como nos vemos hoje em dia, dá para notar as mudanças, o cérebro muda e a vida vai girando de uma maneira surreal.
E eu não tenho a receita do bolo para que isso mude, muitas coisas cansam ao longo do tempo mas, acho que parar uns dias, respirar e pegar aquele gás de volta para voltar a fazer as coisas é algo bom para ser feito.
Super te entendo e sinta-se abraçada.
Beijos.
https://www.parafraseandocomvanessa.com.br/
Ótimo texto!
ResponderExcluirAcho que um dos motivos de não largar meu blog é justamente a efemeridade das redes sociais. O blog é meu espaço. Se o Twitter ou o TikTok amanhã caírem, meu conteúdo continua o mesmo, só vou ter que veicular de outra maneira. E apesar de ter tido crescimento contínuo com o meu blog em doze anos de existência, ao mesmo tempo sinto que não estou atingindo diretamente mais pessoas.
Um tempo atrás li um livro chamado O cérebro no mundo digital que falava sobre o excesso de telas e a incapacidade de leitura profunda que o excesso de informações causa. Sem a capacidade de ler profundamente não conseguimos absorver a informação, pensar sobre ela e tirar dela uma conclusão. Diminuí muito o número de canais de notícias que seguia e sigo portais pontuais, onde leio textos inteiros, ao invés de passar de olhos em meia dúzia. Isso me ajudou muito a diminuir a intensidade e a compreender melhor as coisas que lia.
Infelizmente sei que poucas pessoas hoje fazem isso. Elas engolem conteúdos indicados por algoritmos e nem percebem que até seu click está capitalizado por alguma ação. Uma pena. A falta de uma capacidade de pensamento crítico traz consequências terríveis para todos.