Resenha: A Vida Mentirosa dos Adultos
Depois de uma ansiosa espera, Elena Ferrante chega com um lançamento poderoso: A Vida Mentirosa dos Adultos. Enviado primeiramente na vigésima primeira caixinha do Intrínsecos, A Vida Mentirosa dos Adultos é um mergulho no despertar para a vida adulta. Saiba mais!
"O novo livro narra o crescimento de Giovanna, uma jovem moradora de um respeitável bairro de classe média de Nápoles, no período de seus 12 a 16 anos. Ambientado na década de 1990, A vida mentirosa dos adultos se inicia com um comentário do pai de Giovanna, que compara a falta de beleza da filha com a de Vittoria, tia da menina, sua irmã. Figura lendária na família e afastada do convívio de seu núcleo por motivos incertos, Vittoria desperta a curiosidade de Giovanna, que hesita entre considerar o comentário um insulto, uma condenação ou uma profecia. Explorando as periferias de Nápoles, ela parte em busca dessa mulher misteriosa."
FICHA TÉCNICA
Título: A Vida Mentirosa dos Adultos
Autora: Elena Ferrante
Ano: 2020
Páginas: 430
Idioma: Português
Editora: Intrínseca
Nota: 3/5
Compre: Amazon
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LIVRO CEDIDO EM PARCERIA COM A EDITORA
A Vida Mentirosa dos Adultos é meu primeiro contato com a escrita de Elena Ferrante e já se mostrou um livro extremamente revelador. O livro aborda a transição de Giovanna, da infância para a adolescência, e os primeiros contatos com uma realidade mais madura. Em A Vida Mentirosa dos Adultos podemos vivenciar o momento que marca o fim da infância da protagonista e somos convidados a acompanhar tudo o que envolve essa transição.
"Dois anos antes de sair de casa, meu pai disse à minha mãe que eu era muito feia. A frase foi pronunciada à meia-voz, no apartamento que meus pais, recém-casados, compraram no Rione Alto, no topo da Via San Giacomo dei Capri. Tudo - os espaços de Nápoles, a luz azul de um fevereiro gélido, aquelas palavras - ficou parado. Eu, por outro lado, escapei para longe e continuo a escapar também agora, dentro destas linhas que querem me dar uma história, enquanto, na verdade, não sou nada, nada de meu, nada que tenha de fato começado ou se concretizado: só um emaranhado que ninguém, nem mesmo quem neste momento escreve, sabe se contém o fio certo de uma história ou se é apenas uma dor embaralhada, sem redenção." Página 9
O gatilho para a vida adulta da protagonista começa com o seu corpo, a obsessão que ela sente ao perceber que está crescendo e que seu corpo pode acabar interferindo na forma como ela é vista. Nesse sentido, o conceito de beleza se mostra de formas diferentes ao longo do livro e é uma percepção constante da protagonista, da primeira à última página. "Feia fisicamente. Feia de preocupações." É como ela diz.
A protagonista passa por coisas que todos enfrentamos ao longo da vida: o fim da infância, a quebra da perfeição com que vemos os nossos pais, o momento em que entendemos que nossos pais são humanos e erram, a rebeldia, o desejo de sermos amados, a frustração para com alguma religião, a busca por respostas
Além disso ela também começa a passar por experiências que toda menina-mulher, infelizmente enfrenta ao longo da vida também. A mudança de comportamento dos outros em relação ao seu corpo, os olhares grosseiros e interesseiros que passam a surgir direcionados a ela, a objetificação do corpo feminino, a descoberta do autoprazer, a primeira paixão a primeira vista. É possível perceber, mesmo que de forma sutil, o amadurecimento da protagonista na própria escrita de Elena, na forma como os pensamentos de Giovanna são expressos e isso é um elemento bem interessante.
Dramas familiares e toda essa estrutura familiar ficam evidentes. O livro é sobre o amadurecimento forçado que toda criança é obrigada a enfrentar, principalmente as mulheres, mas a presença forte da família representa não apenas o catalisador desse processo, mas um elemento fundamental que molda as escolhas de Giovanna. Lembra bastante o estereótipo dos filmes que se passam na Itália e abordam a dinâmica familiar dos italianos, com desavenças e amorosidade bem fortes.
Nápoles também é retratada e ganha destaque quase como uma personagem. Sempre gosto bastante quando cenários e contextos transparecem nas histórias dos personagens e quando são responsáveis por elevar a qualidade do livro e é isso que acontece em A Vida Mentirosa dos Adultos.
Aprovação do pai também aparece como um elemento forte e presente ao longo de todo o livro e acredito que a figura paterna seja um elemento marcante na vida de várias garotas à medida que crescem, seja na forma que for. E no caso de Giovanna, Elena Ferrante trabalha o pai como um exemplo da desilusão e da ruína da figura do herói, algo que marca bastante a transição da infância para a vida adulta, e o começo da morte da inocência.
“Talvez, naquele momento, tenha se rompido algo em alguma parte do meu corpo, talvez eu devesse situar ali o fim da infância. Certamente me senti como um recipiente de pequenos grãos que, de maneira imperceptível, caíam para fora de mim por uma fissura minúscula.” Página 45
Os capítulos são bem curtos e a diagramação foi bem generosa com espaçamentos e margens, então é fácil passar as páginas sem ver o tempo passar. Entretanto, mesmo assim ainda tive dificuldade em me sentir fisgada pelo livro.
Me senti menos cativada pela história e mais pela escrita de Elena Ferrante. A história em si não me deixou muito intrigada, apesar de ser bem interessante. Mesmo me identificando com a protagonista e percebendo características extremamente humanas e reais, não me senti próxima de Giovanna e não sei se posso dizer que foi uma personagem marcante. Mas penso que A Vida Mentirosa dos Adultos é um livro mais importante pelo simbolismo por trás do enredo do que pela história em si.
O livro é divido em sete partes, cada uma com a mesma foto de Nápoles, mas que se torna mais nítida com o passar das páginas. Na Parte Um, a foto é apenas uma mancha preto, enquanto na última, Parte Sete, já conseguimos enxergar a cidade de forma nítida e clara. Achei uma bela analogia à expansão de consciência e amadurecimento da protagonista e na forma como a própria cidade foi se tornando mais visível para ela, à medida que ela crescia.
Gostei bastante de ter tido meu primeiro contato com a obra da autora por meio de uma edição do Intrínsecos, porque a revista que acompanha o livro (sempre minha parte favorita de toda a experiência de leitura) traz um material de apoio bem interessante e que expande bastante as perspectivas em relação ao enredo e ao contexto do livro.
Na caixinha de número 21, os assinantes receberam o livro em edição especial (capa dura, texturizada, com fitilho), um marcador exclusivo e um cartão postal com a capa comercial do livro, a revista e uma ecobag maravilhosa com uma estampa que contextualiza bastante a cidade de Nápoles, de forma bem delicada e característica. Uma belíssima edição de colecionador.
Elena Ferrante é o pseudônimo de uma autora desconhecida ao público, uma mulher que prefere o anonimato. É interessante que, como mencionado em um dos artigos da revista que acompanha a edição do Intrínsecos, ela diga que “repudia o modo como a mídia trata a literatura, conferindo mais peso à reputação do autor do que à obra em si.” Porque em A Vida Mentirosa dos Adultos sua escrita se sobressai à história que ela entregando, criando um frisson ainda maior em torno de sua identidade e da pessoa por traz de suas obras.
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“O tempo da minha adolescência é lento, feito de grandes blocos cinzentos e pequenas saliências verdes ou vermelhas ou roxas. Os blocos não têm horas, dias, meses, anos, e as estações são incertas, faz calor e frio, chove e faz sol. As saliências também não têm um tempo certo, a cor é mais importante do que qualquer datação. De resto, a duração da própria coloração que certas emoções assumem é irrelevante, quem está escrevendo sabe. Assim que você procura as palavras, a lentidão se transforma em um vórtice e as cores se confundem como as de diferentes frutas em um liquidificador.” Página 320
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1 comments
Oi, Laura! Gostei muito do texto... Conheci a Elena Ferrante quando do lançamento de A amiga genial. Além dos livros, o que me instiga nela é a jogada por trás dessa identidade guardada, se mercadológica ou principiológica... Em todo caso, ela reacende aquele antigo debate sobre o sucesso vinculado a uma grife autoral. No caso dela, o resultado continua sendo o de uma autopromoção às avessas. Você acha que ainda está por surgir um escritor que seja capaz de renunciar, além da imagem pública, ao nome, a cada novo sucesso, como faziam os antigos gravuristas japoneses, para manter o seu compromisso com a liberdade?
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