Em 2016, foram vendidos 90 milhões de audiobooks nos Estados Unidos. Só em 2017, a venda de audiolivros nos Estados Unidos representou 10% das vendas totais de livros no país. Em 2018 e 2019, enquanto as vendas de livros físicos caíam pela primeira vez em anos nos Estados Unidos e na Inglaterra, o mercado assistia ao crescimento contínuo dos audiobooks. Resumindo: os audiobooks vieram para ficar e o mercado editorial brasileiro está começando a surfar nessa onda.
Praticidade para consumir, inovação em formatos, alcance de novos públicos, narrações feitas por celebridades. Esses são alguns dos vários motivos que fazem com que as obras narradas ganhem cada vez mais espaço nas editoras e no mercado.
Em uma série de posts exclusiva do Nostalgia Cinza, vamos falar sobre os audiobooks no Brasil e conversar com quem está sendo responsável por trazer esse novo formato para os leitores brasileiros. Na estreia dessa série, conversei com Danielle Machado, responsável pela produção dos audiolivros pela editora Intrínseca. Empolgada com as possibilidades do novo formato e ajudando a montar um catálogo promissor, Danielle falou um pouco sobre o processo de produção dos audiolivros na Intrínseca e seus bastidores. Puxe uma cadeira e confira a entrevista completa!
Você poderia explicar um pouquinho, para quem ainda não está familiarizado, como funciona a produção de um audiobook? A Intrínseca é responsável pela produção ou a Autibooks se encarrega dessa parte?
A Autibooks é uma plataforma de venda, eles não participam dessa produção. Diferente de outras plataformas como a Ubook e a Storytell que têm produção própria, a Auti não trabalha assim. Aqui [na Intrínseca] selecionamos a lista de livros que queremos produzir em audiolivro e, com essa lista selecionada, fomos correndo atrás e aprendendo a fazer. É um tipo de produção que ninguém ainda tem um know-how muito expandido, as pessoas ainda estão ensaiando, ainda existem muitas possibilidades para serem exploradas no produto em si. Então todo mundo está aprendendo e se aprimorando e estamos [Intrínseca] nesse bolo também. Começando a fazer, testando como fica melhor, como é mais rápido, quais adaptações precisamos fazer, que tipo de colaborador trabalha melhor com esse tipo de projeto. Está bem interessante, mas é um garimpo ainda.
Lá fora, editoras como a Penguin, por exemplo, investem em atores famosos para ler os livros. É algo que vocês pensam em fazer também?
A gente pensa sim. Quando vamos planejar um catálogo, a gente acaba ponderando os ônus e bônus das escolhas. Começamos a trabalhar mais nisso em 2019, no primeiro trimestre, e a prioridade era entender como fazia, que atores estariam envolvidos no projeto. Temos o estúdio, os técnicos, narrador, direção, temos a pessoa responsável por trazer um olhar editorial pensando no audiolivro para soluções de texto que não vou funcionar quando lidas etc. Existem revisões que são feitas depois do processo, e demoramos um tempo para entender qual a maneira de fazê-las e inserir as correções de uma maneira que fique segura, que a gente tenha um áudio que possamos confiar depois. A prioridade no começo era essa. A gente ainda não conseguiu produzir com uma dianteira suficiente para tentar projetos maiores, então agora estamos começando a fazer isso. A primeira fase do trabalho foi entender como funcionava. Mas existem alguns audiolivros e já havia alguns lidos por atores que funcionaram muito bem. Tenho na minha lembrança um audiolivro antes de termos tantas lojas que era uma biografia do Tim Maia lida pelo Nelson Mota, acho emblemático para todo mundo que em algum momento do passado leu um audiolivro e era fenomenal. A produção no Brasil está engatinhando bem.
A título de curiosidade, qual foi o primeiro livro escolhido pela Intrínseca para virar um audiobook?
A gente montou um listão e começou a estudar como fazê-los, mas olhamos primeiro para os clássicos da Intrínseca. A gente, por exemplo, começou a produzir A Menina que Roubava Livros logo no começo e demorou, enfim, quase um ano, estamos finalizando agora para lançarmos em 2020. Deu bastante trabalho. A gente também pensou logo no Stephen Hawking. Ele estava lançando a biografia, a gente tinha lançado seu livro de memórias e pensamentos, que publicamos logo na ocasião de sua morte, foi um que entrou logo na lista. A gente gravou com o Vinícius [Dônola] que é um jornalista maravilhoso que estava lançando a biografia dele aqui com a gente também. Diz-se que os livros que mais funcionam nos audiolivros, e acho que isso está se provando verdade, são os livros de não ficção e desenvolvimento pessoal e a gente também colocou logo A sutil arte de ligar o fod*-se. Foi um que produzimos logo no início também. Estamos cuidando para tentar montar uma lista equilibrada, pensando que o público vai se diversificar com o tempo. Então a gente tem selecionado tanto não ficção, que é o que realmente mais gira, que tem mais procura, quanto ficção. A gente colocou Caixa de Pássaros, O Homem de Giz, que são sucessos aqui da editora. E cada um é diferente.
Como foi o processo de unir forças para criar a Autibooks?
A Autibooks é uma loja que surgiu de uma sociedade entre um investidor de tecnologia e as editoras Intrínseca, Sextante e Record. Então nossos audiolivros são comercializados exclusivamente, atualmente, na Autibooks. Começou como um consórcio de aprendizado, então a partir das três editoras, sendo a Sextante com o maior número de audiolivros produzidos na loja, a Record em segundo e a gente, Intrínseca, tá um pouco com um catálogo um pouco menor, mas todos correndo atrás de aprender e entender. Está sendo muito divertido.
Por que surgiu a ideia de unir forças entre os grupos editoriais?
Quando a venda de ebooks, por exemplo, ainda estava engatinhando, algumas editoras se reuniram para fundar uma distribuidora também, que fizesse frente com mais atores combinados a negociar com as grandes varejistas como a Amazon e essas lojas maiores. Acho que o grupo que fundou a Auti pensa também na mesma direção. O mercado de audiolivros ainda está engatinhando aqui no Brasil, ainda estamos começando e começar juntos dá um pouco mais de poder de organização, de negociação, então acho que a direção é essa, juntos formarem um bloco que ajuda a estabelecer melhor o mercado.
Em Setembro e Outubro de 2019 estive na Inglaterra, em Oxford, cursando o Columbia Publishing Course e era quase unanimidade que todos os profissionais falavam sobre os audiobooks e seu crescimento. O mesmo está acontecendo em feiras literárias. Lá fora todo mundo está empolgado por estar vivendo um boom, por estar em uma crescente e gostaria de perguntar se você acha que, aqui no Brasil, que agora está engatinhando, seria uma estratégia para diminuir os impactos da crise ou se seria nessa mesma linha que vem sendo seguida lá fora, de diversificar formatos, tentar alcançar um público diferente?
A crise aqui é conjuntural, ela não é permanente. Então podemos ser pragmáticos ao dizer que tem aí um mercado, um mercado com bastante potencial se considerarmos os aparelhos que estão na mão de todo mundo e que vão levar esse conteúdo para as pessoas. Então tem aí um canal, eu diria que é um mercado no qual as pessoas se familiarizam. É mais fácil para as pessoas ouvirem um audiolivro no celular, que é algo que todos tem, do que lerem um livro digital, por exemplo. Acho que não dá para ignorar o potencial desse mercado e que é um potencial que tem se realizado em outros países com mercado cultural de livros mais maduro. Sendo pragmática, é uma coisa que ninguém podia deixar de fazer, então todo mundo embarca nessa. A questão da crise é conjuntural e ela responde a diversos fatores que não são só do nosso mercado. Temos problemas no varejo de livros, principalmente livros físicos, a gente tem problemas no Brasil, temos problemas no mundo, então é muito conjuntural. Então deixando de lado esse fator, sendo pragmática, não dá para não fazer como quando se vislumbrou o mercado de livros digitais. A gente naturalmente embarcou. O de audiolivros é a mesma coisa. É uma questão de tempo, quando a gente não começa a fazer, o mercado amadurece e ter uma lista, um catálogo de produtos, é super importante. Acho que com a disponibilidade de mais produtos, de mais catálogo, e de mais players vendendo também, acho que a gente expande mais rápido, chega mais longe e em mais lugares, é importante. Fico fazendo muito esse paralelo com o livro digital porque o tipo de entendimento desse investimento, dentro das editoras, é bem parecido. Investindo para produzir livros no formato de audiobook custa mais do que para produzir um ebook, cuja produção é mais barata e mais simples para quem já produz o produto físico. Então é mais lento e vai ser mais demorada a montagem de catálogo por parte das editoras, mas é imprescindível, todo mundo vai seguir esse rumo de um jeito ou de outro.
Há alguns anos as pessoas estavam até um pouco assustadas com a chegada dos livros digitais, com receio de que isso fosse prejudicar o livro impresso, mas parece que eles não vingaram tanto aqui no Brasil quanto se esperava. Em comparação com a venda de livros físicos, os ebooks ainda são mais tímidos. Entretanto, como no Brasil o mercado de podcasts vem crescendo, você acha que isso pode ser diferente com os audiobooks, que poderão surfar nessa onda?
Ao nos compararmos com outros mercados, o Brasil apresenta leituras diferentes. O público leitor é diferente e acho que, consequentemente, a fatia de participação do livro impresso, dos digitais, do audiolivro, nesse bolo que é o mercado, é diferente. Mas se a gente entende que, por exemplo, o livro digital, hoje em dia, é uma fatia significativa do faturamento de várias editoras, principalmente editoras de médio porte, normalmente existe um fixo que elas recebem das lojas digitais pela venda de ebooks, que é importante hoje no balanço mensal, imagino que, com o passar dos anos, o audiolivro se torne também mais uma fatia de garantia de vendas no bolo geral mensal das editoras. Não acho que nem um nem outro chegarão tão perto ou irão suplantar o livro físico, mas acho que cada um é um canal de faturamento importante.
Você acha que o perfil das pessoas que costumam consumir audiolivros seria um perfil de leitores ou de pessoas que estão acostumadas a ouvir um podcast?
Acho que ainda não temos muitos dados para medir, ainda demora um tempo para isso ser significativo. Entretanto, por intuição, acho que a primeira pessoa a se interessar por um audiolivro, para mim, naturalmente é uma pessoa que já gosta de livros porque uma coisa está diretamente conectada a outra. Agora, se uma pessoa já gosta de livros e já está familiarizada, por exemplo, com podcast, temos um cenário muito positivo. Porque ela já está acostumada a consumir um produto de áudio que exige um determinado treino, porque ouvir um audiolivro é diferente de ouvir uma música. Depende de como você quer ouvir aquele conteúdo. Algumas pessoas conseguem fazer muitas coisas enquanto ouvem um audiolivro e continuam apreendendo aquilo. Outras pessoas não. Eu, por exemplo, me perco. Estou ali, não sei se é porque sou de gêmeos (risos), mas às vezes começo a vagar para outros lugares. Às vezes, para mim, dependendo do que estou ouvindo, e não estou nem falando da qualidade do audiolivro, da qualidade da narração, do assunto. Manter-se conectado àquele conteúdo apenas pela audição às vezes, para mim, fica difícil. Acho que uma pessoa que gosta de livros, já está familiarizada a ouvir podcasts, com uma escuta mesmo ativa, é um público natural do audiolivro. Acho que esse é o primeiro público, por mais que pense “ah, o audiolivro é uma alternativa ao livro”, talvez vá ser para algumas pessoas, mas não acho que seja para a fatia principal do público.
Teve algum título da Intrínseca que deu muito certo, com um feedback bem positivo das pessoas?
A gente tem um feedback mais próximo do audiolivro de quem está trabalhando na produção e escutando. Ainda não temos um feedback muito significativo do público, até porque a venda é por uma loja e a gente acaba não tendo um retorno imediato de opinião do cliente. É diferente do livro, que é bem natural que o leitor pegue um livro e vá nas redes sociais da Intrínseca falar dele com a gente. Com o audiolivro ainda não é natural que esse movimento aconteça, então a gente ainda não tem tanto retorno. Agora, entre nós, temos os produtos que a gente gosta muito. Eu particularmente acho que A sutil arte de ligar o f*da-se ficou um livro muito bom. O Homem de Giz é uma narração que eu adoro. A gente subiu agora perto do Natal um audiolivro que eu estava super esperando que ficasse pronto, que era o Meu livro, eu que escrevi, da Duny. E assim que começamos a falar de audiolivros era certo que precisávamos do Raony lendo o livro da Duny, com a voz da Duny, com os personagens. E a gente subiu agora perto do Natal e foi recorde aqui da semana de cliques nas nossas redes sociais, de Stories e ficou um produto divertidíssimo, eu adorei. Então tem algumas coisas que a gente está fazendo que estamos nos orgulhando muito. A gente fez a biografia do Vinicius Dônola que eu comentei antes que é Histórias Das Histórias Que Contei que é um livro com causos muito bacanas e bastidores de reportagens que ele fez. Ele é um cara super humano, super atento às pessoas que estão na história, e a gravação desse audiolivro foi sensacional porque era ele lendo as suas prórpias histórias e a gente tinha um técnico que chorava, que interrompia e pedia para saber um detalhe, parava a gravação para saber o que tinha acontecido antes ou depois daquele momento da história... Algumas experiências estão sendo muito gratificantes e descobrir uma maneira nova, um produto novo, uma forma nova de contar história está sendo bem bacana para a equipe toda.
Agora, com você falando isso tudo, pensei em dois livros da Intrínseca que penso que poderiam ficar bem legais como audiobooks. Uma Vida no Escuro, por causa da sua narrativa, talvez a questão da voz, no contexto do livro, fique bem legal. E o Alucinadamente Feliz, que é um livro engraçadíssimo.
Ahh sim! Ele é engraçadísismo! A Intrínseca tem um catálogo muito grande de livros estrangeiros e acredito que a conexão que conseguimos ter com um livro como o do Vinicius Dônola, como falei agora, narrado por ele, não é a mesma conexão, que temos com um livro que é um livro de memórias, uma contação muito particular, marcada pela voz de outra pessoa. É um desafio que ainda temos que arrumar, a gente ainda não fez nenhum desse tipo, mas vou anotar as suas sugestões para a produção da nossa próxima leva de audiolivros (risos).
A Amazon estreou no final do ano passado o Amazon Prime. Vi alguns comentários de pessoas falando que esse talvez seja um passo para a Audible chegar aqui. Essa é uma previsão de vocês também? Como vocês pretendem lidar com a possível chegada da Audible?
Não tenho tanta informação de bastidores sobre essa chegada da Amazon, mas o que eu sei e sei de conversas do mercado, é que a Amazon já esteve em vias de ter a Audible funcionando aqui e em conversas com editoras, diversas vezes, em diversas ocasiões desde que chegou. Então não sei em que pé isso existe hoje, mas claro que editoras juntas, unidas com um representante, têm melhores condições de negociar com eles. Não sei quando a Audible funcionaria aqui, em que moldes, mas é bem racional que imaginemos que se nos estruturar para recebe-los seja uma coisa boa de se fazer.
Você acha o mercado brasileiros pode aprender algo com o estrangeiro, com mercados como o do Reino Unido e dos Estados Unidos e, se sim, o que você acha que podemos tirar?
Em termos de produção dos conteúdos acho que podemos aprender muito, eles são muito profissionais. Estava pesquisando para produzir aqui e vi alguns tutoriais de narradores que estudam o livro, narram, têm o próprio home studio para fazer isso, e que fazem isso muito bem. Aqui, como estamos começando, é muito natural que estúdios que trabalham com dublagens comecem a querer enveredar para o audiolivro, e o que deu para perceber é que a rotina e o tipo de trabalho que se faz na dublagem é bastante diferente do trabalho, por exemplo, específico que estou falando, de um narrador de audiolivro lá fora, que realmente trabalha nisso. No sentido de que é ele que pega o livro, ele estuda o livro, ele “se dirige” nesse trabalho de narração que é bastante diferente da dublagem, que é uma coisa com vários personagens, que tem um diretor, tem um produtor de casting, tem uma engrenagem de edição bastante diferente. Acho que temos muito a amadurecer nesse campo da produção. E, no campo do mercado, são mercados muito diferentes. A gente aprende, mas a gente funciona do nosso jeito.
Continue acompanhando a série: Os audiobooks no Brasil. Nos próximos dias, é a vez da AutiBooks dar sua contribuição ♥
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