Confissões do crematório, desde as primeiras páginas, se tornou um dos meus livros favoritos. Em seu livro de estreia, Caitlin Doughty compartilhou vivências da sua rotina em um crematório. Com reflexões extremamente profundas e poderosas, Caitlin traz novos olhares sobre a morte e coloca em xeque todas as convenções com as quais estávamos acostumados. Em Para Toda a Eternidade, ela expande essas reflexões, trazendo um relato mais técnico e investigativo sobre as diferentes formas de lidar com a morte ao redor do mundo.
Quer saber por que o segundo livro de Caitlin Doughty é um livro essencial? Então confira a resenha de Para Toda a Eternidade!
"Em seu primeiro livro, Caitlin Doughty compartilhou histórias reais do dia a dia de uma casa funerária. Já Para Toda a Eternidade é o fruto de uma jornada global para conhecer o mundo de mãos dadas com a morte. Através das palavras poderosas de Caitlin Doughty e das ilustrações deslumbrantes do artista Landis Blair, vemos como outras culturas lidam com o fim da vida enquanto entendemos a nossa relação com o assunto.
Na Indonésia, Caitlin observa enquanto um homem limpa e veste o corpo mumificado de seu avô, que mora na casa da família há dois anos. Em La Paz, ela conhece as ñatitas bolivianas (crânios humanos que fazem a ponte entre os mundos dos vivos e dos mortos). E em Tóquio, ela se depara com a cerimônia do kotsuage, na qual parentes utilizam palitinhos para coletar os ossos de seus entes queridos das cinzas da cremação.
Narrando cada ritual de maneira respeitosa ao mesmo tempo em que insere contornos históricos e também pessoais ao texto, Caitlin investiga a história funerária no mundo, apresentando soluções inusitadas, e inicia a discussão: existe jeito certo de se despedir das pessoas que você ama? O que parece um tabu para nós pode ser transformador para quem fica. Acima de tudo, Para Toda a Eternidade é uma lição de empatia, acolhimento e solidariedade. Uma volta ao mundo de uma perspectiva inusitada — mas enriquecedora na mesma medida. Temos muito a aprender com a morte."
FICHA TÉCNICA
Título: Para Toda a Eternidade
Autora: Caitlin Doughty
Ano: 2019
Páginas: 224
Idioma: Português
Editora: DarkSide Books
Nota: 5/5
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Confissões do Crematório é um relato não-ficcional e extremamente pessoal de uma mulher cuja rotina é intrínseca à lida com a morte. Caitilin trabalhou por anos em casas funerárias como uma das pessoas responsáveis por preparar corpos para a cremação, além de ela própria cremar os cadáveres. Seu livro de estreia traz, além de explicações extremamente interessantes a respeito do corpo humano e dos resultados fisiológicos de morrer, um relato quase biográfico a respeito da forma como ela mesma lidava e lida com a morte.
Em Confissões do Crematório ela compartilha episódios que aconteceram enquanto trabalhava em um crematório ao mesmo tempo em que defende que precisamos aprender a falar sobre a morte para que possamos aprender a lidar melhor com ela, seja a perspectiva de que todos vamos morrer um dia, seja a maneira como nos sentimentos quando outra pessoa morre.
"E então vem o luto. E luto não é sinônimo de dor. É justamente a expressão da dor. Desde sempre, é isso que nós, seres humanos, fazemos: damos sentido às coisas através da linguagem. Por isso é tão importante que o luto tenha espaço para acontecer." Página 15
Para Toda a Eternidade traz uma proposta mais explícita, menos carregada de emoção e com características mais históricas e investigativas. Em seu segundo livro, Caitlin viaja para diversos países do mundo para aprender mais sobre como a morte e os ritos pós-morte estão inseridos na cultura de diferentes povos. É um livro que celebra a pluralidade de pontos de vista e mostra como as pessoas podem lidar com a morte de maneira saudável, simbólica e extremamente significativa - o que não fazemos de maneira geral.
"Ser agente funerária significa que todo mundo me faz perguntas sobre o cadáver da mãe morta. Ninguém faz ideia da frequência com que escuto: "Minha mãe morreu onze anos atrás no norte de Nova York, foi embalsamada e enterrada no túmulo da família. Você pode descrever como ela deve estar agora?"" Página 80
Caitlin viaja para a Espanha, Tailândia, México, Indonésia, Japão, Bolívia e visita algumas cidades dos Estados Unidos. Todos esses locais têm culturas completamente diferentes entre si e apresentam ritos de passagem bem interessantes, mesmo que alguns deles pareçam bem estranhos para nós, ocidentais.
É praticamente impossível falar de morte sem fazer referências à fé e às mais diferentes expressões religiosas. Para Toda a Eternidade aborda diversas culturas e mostra como a crença em algo após a vida se manifesta em ritos diferentes, mesmo que essa fé nada tenha a ver com alguma deidade, podendo ser apenas a esperança de devolver à terra àquilo que serviu de veículo para nós e permitiu que pudéssemos viver: o corpo. Caitlin apresenta cada uma dessas manifestações de forma extremamente respeitosa e enriquecedora.
"Vale comentar que os principais nomes no projeto de recomposição são mulheres - cientistas, antropólogas, advogadas, arquitetas. Mulheres estudadas, que têm o privilégio de dedicar seus esforços para consertar um erro. Elas abriram um espaço proeminente em suas carreiras profissionais para mudar o sistema atual da morte. Katrina comentou que "os humanos estão tão concentrados em impedir o envelhecimento e a deterioração que isso se tornou uma obsessão. E para quem é mulher, na sociedade, a pressão é implacável. Portanto, a decomposição se torna um ato radical. É uma forma de dizer "Eu me amo e me aceito"." Página 129
Para Toda a Eternidade é um livro mais curto que Confissões do Crematório e mais fácil de ler uma vez que, no primeiro livro, Caitlin traz uma pessoalidade bem forte para a narrativa, enquanto nesse segundo ela deixa de lado a subjetividade e foca mais em apresentar a variedade de formas de morrer e dar um fim ao corpo. A própria divisão de capítulos é toda estruturada tendo como base os encontros de Caitlin com esses ritos de passagem e com a cultura de cada lugar visitado.
Acredito que o principal objetivo de Caitlin tenha sido criar um choque de realidade capaz de fazer com que questionemos a maneira como lidamos com os corpos após a morte e como enxergamos esse momento. Para Toda a Eternidade tem mais caráter científico e menos autobiográfico.
Caitlin traz uma boa forma de nos mostrar que podemos fazer mais e melhor, muito melhor. Ao longo de toda a leitura tentei me colocar no lugar desses povos e dessas pessoas e me descobri questionando muitos preceitos que já estavam quase enraizados em mim e naqueles que estão ao meu redor e tenho certeza de que nunca mais poderei ver a morte com os mesmos olhos. Inclusive, recomendo que vocês pesquisem imagens do Ruriden, um columbário japonês que ressignifica a maneira de preservarmos as cinzas daqueles que amamos, aliando cuidado, tecnologia e uma beleza indescritível.
Você já pensou em como seu corpo ficará quando morrer? O que será feito dele? Para Toda a Eternidade fala sobre como isso é uma escolha de cada um e que existem alternativas para ajudar os que ficaram a lidar com a perda e dar sentido a tudo isso. Lendo o livro percebi que existem maneiras muito mais naturais e tranquilas de passar por esse momento, independente da forma como ele aconteça. Apresentar novos olhares para a morte é algo extremamente difícil e Caitlin consegue fazer isso com sensibilidade, inteligência e um pouco de humor.
"Talvez um processo de recomposição seja nossa tentativa de reivindicar nossos cadáveres. Talvez nós desejemos nos tornar solo para um salgueiro, uma roseira, um pinheiro - destinadas na morte a apodrecer e nutrir em nossos próprios termos." Página 130
Para Toda a Eternidade já é um dos melhores livros de 2019 tanto por seu caráter inédito, quanto pela escrita de Caitlin Doughty e pela abordagem do tema de forma tão inteligente e rica. Confissões do Crematório continua como um dos meus livros favoritos, mas Para Toda a Eternidade também faz jus ao estilo de Caitlin e toda a bagagem que ela carrega como referência.
É difícil falar sobre a morte e esse pode ser um gatilho para muitas pessoas. E com razão. Somos ensinados a fechar os olhos para essa realidade e aprendemos a pensar na morte como algo distante e assustador. Desde sempre somos levados a não falar sobre a morte, a não discutir a morte, a não nos ligar à morte. Por isso, abordar o tema, ainda mais de forma tão explícita e aberta, pode assustar e afugentar muita gente, mas Caitlin Doughty sabe como falar sobre isso como ninguém.
Enquanto alguns países tentam, a todo custo, separar os mortos dos vivos em uma vã tentativa de afastar a morte de uma realidade palpável, outras culturas mantém os corpos próximos, mesmo anos sem vida. E esse estranhamento é uma das formas de mostrar que existe pluralidade no que diz respeito à morte, ou seja, não precisamos nos ater a uma forma de lidar com os corpos, a apenas uma maneira de renegar a morte.
Pela segunda vez, Caitlin mostra como compreender, entender, assimilar e discutir a morte é a melhor maneira de respeitá-la e aceitá-la. Jamais nos libertaremos de um dos medos mais intrínsecos à existência se não desapegarmos do receio de se aproximar de morte, de vê-la como algo inerente à vida, de entender que nos preparar para ela é o caminho para uma vida mais consciente e significativa.
Pela segunda vez, Caitlin mostra como compreender, entender, assimilar e discutir a morte é a melhor maneira de respeitá-la e aceitá-la. Jamais nos libertaremos de um dos medos mais intrínsecos à existência se não desapegarmos do receio de se aproximar de morte, de vê-la como algo inerente à vida, de entender que nos preparar para ela é o caminho para uma vida mais consciente e significativa.
Em Para Toda a Eternidade, a literatura mostra, mais uma vez, seu poder de transformação. Ao falarmos sobre a morte, aprendemos a aceitá-la e a desmistificar crenças que apenas nos impedem de vê-la como algo natural e eminente, abrindo mão da negação e da ignorância. Caitlin presenteia o leitor com um livro que pode mudar completamente a forma como enxergamos a morte e os cuidados pós-vida.
Para Toda a Eternidade é um livro que deveria ser obrigatório na estante de todo leitor que busca se desconstruir e crescer por meio de diferentes pontos de vista. Caitlin desmistifica a morte e naturaliza algo que sempre deveria ser visto dessa forma. Mais uma vez a literatura nos dá um presente essencial: a capacidade de crescermos como seres humanos.
Gostou da resenha e quer saber mais sobre o primeiro livro de Caitlin Doughty? Então confira a resenha de Confissões do Crematório!
"Evitar a morte não é um fracasso individual; é um fracasso cultural. Enfrentar a morte não é para os de coração fraco. É desafiador demais esperar que cada cidadão faça isso por conta própria. A aceitação da morte é responsabilidade de todos os profissionais da morte - diretores funerários, gerentes de cemitério, funcionários de hospital. É responsabilidade de quem recebeu a tarefa de criar ambientes físicos e emocionais em que uma interação segura e aberta com a morte e os cadáveres seja possível." 208
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