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8 de jun. de 2019

Aos 23


Idade é uma coisa curiosa. Nunca acreditei que um número fosse o suficiente para me definir como algo sem que eu sentisse que era, de fato, tal coisa. Não sei quando exatamente eu me tornei uma mulher adulta e olha que esse foi um sonho durante muito tempo. Quando era mais nova gostava de imaginar como seria a minha vida aos 23 anos. Na minha cabeça eu já moraria sozinha, já teria publicado meu primeiro livro, estaria em um relacionamento estável, tendo vivido mais alguns romances antes de encontrar o homem que seria o amor da minha vida, teria um emprego que pagasse bem o suficiente para me sustentar sozinha, teria riscado uma boa parte dos países que sonhava em conhecer, estaria realizada comigo mesma e com várias certezas na bolsa. Bom, alguns itens dessa lista eu até risquei, mas outros foram se acumulando e multiplicando até a minha lista infantil se transformar em um sonho de adulta.

Foi outro dia que caiu a ficha e, quando dei por mim, percebi que era uma “mulher formada”, como sempre ouvi minha família dizer. Lá estava eu, com um vestido preto longo, parada na padaria, tentando me decidir entre um patê de gorgonzola e um de tomate seco, depois de um dia inteiro trabalhando fora de casa. Sabe aqueles lapsos de consciência que chegam de repente e te fazem sair do seu corpo apenas para se ver de fora? Foi quando me vi ali, completamente alheia ao fato de que eu já estava na fase que, por muito tempo, parecia distante demais para não passar de um sonho. Aquela mulher, adulta, cansada porque a semana havia acabado de começar, parada entre os pães e os frios, era eu. Até hoje não sei muito bem como reagir a isso, nem se consigo me identificar com a mulher que, supostamente, era eu.

Em um período de poucos meses me vi abrindo uma empresa como pessoa jurídica e sendo MEI, indo ao cartório reconhecer firma do contrato de um curso de formação de yoga, renovando minha CNH porque, pasma, percebi que já haviam se passado cinco anos desde que tirei minha primeira habilitação, e providenciando uma viagem para uma especialização no exterior. Mas foi ali, no corredor nos patês, que caiu a ficha de que eu já era, de fato, adulta.

Quando fiz 18 anos jurava que meu corpo passaria por uma transformação louca, tinha certeza de que a minha mente mudaria por completo, sabia que meu emocional de repente se estabilizaria e pensava que todas as soluções cairiam do céu no meu colo. Eu tinha certeza de que esse número mágico seria o ponto de virada da minha vida. Porque, afinal, se era esse o número que fazia com que eu, de repente, pudesse ser presa, pudesse casar, pudesse viajar sem a autorização de ninguém, fosse obrigada a votar, representasse que eu e apenas eu respondia por mim, então isso tinha que significar que aos 18 anos eu me sentiria adulta.

A gente passa a vida inteira se apoiando em marcos para conseguir fazer transições, ou pelo menos para sentir que passamos por essas transições. Mas a verdade é que esses momentos são como o tempo: fluidos, e não param apenas para que você possa absorvê-los. E acho que não consegui entender, quando esses marcos aconteceram, que a menina em mim já havia dado espaço para a mulher que eu seria.

Os vinte e poucos anos eram metas tão distantes que, por muito tempo, não passaram de sonhos quase intocáveis. Enquanto vivo esses anos hoje, me esforço para entender cada momento como a representação do que fui e a perspectiva daquilo que posso vir a ser. É quando percebo que eu já estava vivendo uma vida de adulta, eu só não percebi porque não era a vida que eu queria.

Sempre me pergunto o que aquela adolescente que sonhava com uma independência ilusória diria para a mulher que sou hoje, que ainda carrega uma bagagem imensa dentro de si e que ainda se vê presa por amarras invisíveis. Tenho receio de encontrar a garota que fui e do que ela poderia pensar de quem sou. Será que se sentiria orgulhosa se pudesse ver seu futuro no reflexo do espelho? Será que ainda desejaria que o tempo passasse mais rápido? Ou será que sofreria com o baque da realidade como ela é? Outras vezes olho para trás e tenho vontade de entrelaçar nossas mãos e mostrar o caminho encantador que ela traçou para si mesma quando sequer sabia o que estava fazendo. E nesses momentos consigo sentir gratidão por tudo aquilo que me permiti sentir e pelas escolhas que fiz, principalmente as que se referem a mim.

Ainda não sei se me sinto “adulta”, se consegui me encaixar no ideal que eu tinha dessa palavra e de tudo o que ela significa. Mas às vezes acho que pode ser até melhor. Se isso significa manter parte daquelas características que ainda não foram corrompidas pela mão do tempo, acho que posso me contentar com isso por enquanto.

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