Lá estava eu sentada na penúltima cadeira entre infinitas fileiras de plástico esperando para embarcar enquanto pensava nas incríveis e cruéis ironias da vida. A ânsia por viajar deve ser um dos clichês mais comuns para todos aqueles que, assim como eu, se cansam muito fácil da rotina e das pessoas e lugares que fazem parte dela. Cada vez que piso em um aeroporto sou invadida por um misto de euforia e pânico. Meu desejo de sair em aventurando pelo mundo precisa dividir espaço ao meu medo de viajar de avião. Eis a minha ironia particular.
Viajar de avião sempre foi algo constante na minha vida, não é como se eu sofresse pelo medo do desconhecido. Aviões, na verdade, me conhecem desde antes de eu entender o que são. Com cinco semanas já cruzei o Atlântico para conhecer minha família e desde então as longas horas de voo se tornaram companheiras necessárias e um pouco frequentes. Tive muita sorte de poder conhecer alguns pedaços de terra bem distantes com tão pouco tempo de vida, mas algumas fortes turbulências no meio do caminho me fizeram temer algo que sempre admirei.
Enquanto espio pelas enormes paredes de vidro, despercebida em meio a dispersos viajantes, observo o decolar dos aviões com profunda admiração. Ver essas carcaças metálicas alçando voo com tamanha facilidade e maestria desperta em mim algo difícil de identificar. Essa dança tão linda se parece extraordinária aos meus olhos, mas não existe resistência do ar ou empuxo que faça minha mente aceitar algo esse fato e toda vez que coloco os pés em um avião sinto um medo tão genuíno se formar que fica impossível manter a parte racional do meu cérebro falando mais alto. Acho impossível compreender como tantas toneladas podem simplesmente sair voando enquanto meus cinquenta quilos me prendem como âncoras no chão.
Aeroportos, despacho de bagagem, atrasos, distancias, já se tornaram casualidades e a maioria das pessoas nem pensa mais ao afivelar - ou não - os cintos antes da decolagem. Mas cada vez que meus olhos captam o exato momento em que um avião deixa de tocar o chão, sinto como se estivesse presenciando um acontecimento milagroso. Olho para pousos e decolagens de forma tão viciante que torna ainda mais irônico o fato de não suportar ficar muito tempo dentro de um avião. Fico me perguntando o que exatamente aconteceu comigo.
Quando eu era criança, passava horas olhando para o céu e imaginando como seria tocar uma nuvem, como seria observar o mundo de cima de forma estática, sendo apenas o céu que observa o planeta girar. Me perdia na ilusão de que conseguiria, algum dia, voar sobre todos os lugares incríveis que a minha imaginação conseguia criar. Voar sempre me pareceu o mais perto do extraordinário que eu poderia chegar e eu não aceitava ser nada menos do que extraordinária.
Adoro sentar na janela. É cômico já que, a cada nuvem que se aproxima, minhas unhas cravam o encosto da poltrona esperando a turbulência iminente. Mas quando consigo respirar fundo e meditar por alguns instantes, olho para fora da janelinha e vejo com admiração o mundo passando lá em baixo e a linha do horizonte se tornando cada vez mais colorida e infinita. As nuvens pintam a imensidão que me cerca e abraçam cada lugar que passei e ainda vou passar.
São nesses momentos que consigo me lembrar da Laura de poucos anos, aquela criança que via o mundo como uma inspiração e não como uma insegurança. E é ela quem me visita às vezes. Já me visitou mais. E é ela quem espero me tornar de novo. Talvez tenha ficado frustrada com quem me tornei, com os anseios que fui acumulando a cada ano de vida. Talvez ela simplesmente tenha ficado para trás, num lugar onde tudo parecia mais fácil e mais bonito. Mais simples.
Sinto falta dessa admiração plena, daquela entrega profunda. Em meio a tanto medo, quando consigo tocá-la, me sinto bem. Me lembro que a vida tem seus momentos extraordinários e eles acontecem na rotina, não detalhes que deixamos passar por medos difíceis de explicar.
O que será que a pequena Laura que observava as nuvens e sonhava em viver dentro de um avião diria da Laura que se apaixona pela terra firme toda vez que os pés precisam pisar no carpete acinzentado de uma aeronave? Acho que, além da decepção evidente, ela não entenderia os motivos que fazem uma descarga de adrenalina quase explodir meu coração. Nem eu entendo.
Talvez meu medo de aviões tenha a ver com algum tipo de sonho frustrado, talvez esteja relacionado ao fato de que eu seja obrigada a ser mera e impotente coadjuvante nessa linda mágica que é voar.
Às vezes tenho a certeza de que só a pequena Laura pode devolver minha sanidade e o prazer que eu sentia em cruzar os céus em direção a algum lugar incrível, mesmo que esse lugar seja apenas mais uma metrópole cinzenta que abriga algum evento. Quando estou em terra firme me perco em devaneios que acompanham o voo gracioso e majestoso de aviões. Quando sou eu quem precisa viajar, só consigo pensar que estou dentro de um cilindro metálico enorme, alguns milhares de pés do chão.
Já fazem alguns anos que esse pânico me acompanha e, por enquanto, nenhuma menção de ir embora. Ainda espero o dia em que os instantes de contemplação nas nuvens se tornarão horas de apreciação, mesmo em meio a turbulências e barulhos ensurdecedores. Quando eu entender que jamais conseguiremos controlar cada detalhe da nossa vida, talvez esse medo se torne apenas uma risada nervosa em meio às chacoalhadas aéreas. Quem sabe minha admiração em terra firme não se torne um prazer seguro e constante?
Porque assim como a pequena Laura que se apaixonou pelas nuvens, essa Laura agora se apaixona por possibilidades. Mas enquanto isso me permito alguns minutinhos de calma e meditação, vou bebericando um café na sala de embarque enquanto respeito meus limites e observo com admiração a grandiosidade dos aviões que vem e vão o tempo todo.
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