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22 de ago. de 2018

6 coisas que aprendi nos meus primeiros 6 meses trabalhando em uma pequena editora


No final de novembro de 2017 realizei um sonho e comecei a trabalhar no mercado editorial. Como livros são uma parte fundamental da minha vida, trabalhar com eles fazia todo sentido pra mim e estou descobrindo todos os dias que é algo que pretendo transformar em uma carreira. Desde o primeiro dia já comecei a descobrir ainda mais desse mundo que antes chegava até mim apenas como leitora e como blogueira literária. Seis meses passaram muito rápido e percebi que havia aprendido muita coisa que valia a pena transformar em um post.

Trabalhar em uma pequena editora me permitiu aprender bastante sobre todo o processo editorial, o que com certeza não aconteceria se eu começasse em um grande grupo editorial. Já no começo tive a oportunidade de absorver bastante e continuo aprendendo todos os dias fazendo algo que gosto muito, mas decidi listar apenas seis coisas que aprendi nos meus primeiros seis meses trabalhando em uma pequena editora e falar um pouco mais a fundo sobre cada uma delas. Espero que esse post sirva como curiosidade e, quem sabe, diálogo.

1. AUTORES SÃO SERES PECULIARES

Por ser completamente apaixonada por livros, sempre romantizei autores. Acreditava que eram seres com a mente aberta, cheios de estilo e conversas inteligentes. Sempre imaginei que a maior parte dos autores seria como J.R. Ward, cheios de humor e segredos sobre suas próximas obras. O tipo de pessoa que a gente adoraria trocar ideia numa mesa de bar, entre um copo e outro. Entretanto, confesso que a realidade me pegou desprevenida.

Por questão de ego, a gente espera que um autor experiente de uma editora enorme seja mais ganancioso e egocêntrico, mas o que eu não esperava era encontrar esse perfil com aqueles que tinham sua primeira obra nas mãos e procuravam uma pequena editora para publicá-la.

Já nos meus primeiros seis meses trabalhando em uma editora pude ter contato com os mais diferentes perfis de autores, desde o renomado jurista com seu décimo livro em produção até aquela garota que sempre sonhou em publicar seu primeiro romance. Alguns autores são bem simpáticos e me vejo tão ansiosa quanto eles para ver um original se transformar em livro. Já outros dão um novo significado para a palavra peculiar.

Já recebi proposta de autor que queria me contratar para digitar páginas e páginas dos manuscritos que ficaram perdidos na gaveta, fiquei longos minutos no telefone com autor que queria que eu marcasse cada espaço a mais que não deveria estar entre uma palavra e outra e até calendário lunar precisei procurar porque um autor queria de qualquer forma marcar o lançamento em um dia de lua cheia.

Eu, que nunca fui muito boa em conviver com outras pessoas, me vi aprendendo cada vez mais sobre o ser humano e suas particularidades. Conviver com pessoas é, em geral, bem desafiador. Ninguém vai conseguir agradar todo mundo e trabalhar com a obra de alguém é algo bem delicado. Entendo isso e nos primeiros meses já percebi que é preciso se atentar para cada pedido, por mais absurdo que seja, mesmo que você saiba que ele não vai poder ser realizado. O amor por publicar livros e pelo trabalho tem que falar mais alto, mesmo que seja bem cômico e desafiador.

Talvez, quando eu criar coragem para publicar meus próprios devaneios, seja eu o motivo de reflexão de um assistente editorial novo no mercado.

2. PRODUZIR UM LIVRO DÁ UM TRABALHÃO

Acho que poucas pessoas param para refletir sobre o livro que chega em suas mãos. Cada palavra foi pensada, cada espaçamento foi calculado, cada preenchimento de cor foi escolhido, cada papel foi definido. O texto, até virar o livro que conhecemos, precisou passar por alguns bons processos para se transformar em uma bela aquisição para a estante, mas na maior parte das vezes esse trabalhão nem é percebido.

Como sempre cultivei o hábito da leitura e passei bons meses fazendo cursos de produção editorial antes de começar a trabalhar em uma editora, eu tinha uma noção de todo o trabalho envolvido no processo, mas conhecer os perrengues na prática é outra história.

Escolher uma história entre tantas outras e decidir publicá-la já é um trabalho que envolve questões de gosto, afinidade, ética, moral e monetária, para dizer o mínimo. Chegar a um acordo de publicação, encontrar um meio termo, revisar, elaborar uma proposta de capa, revisar de novo, chegar a uma capa final, revisar mais uma vez, diagramar, adivinha? Revisar e enviar para a gráfica são processos que podem ser rápidos, mas podem se estender por meses sem chegar a nenhum consenso.

São muitas pessoas e profissionais diferentes envolvidos em muitas etapas que precisam trabalhar juntas para chegar em um produto final e quase nunca as coisas acontecem como planejado. As surpresas podem ser extremamente agradáveis ou inevitavelmente estressantes, mas nada supera o orgulho de poder pegar um livro pronto, recém-chegado da gráfica e ver que todo o trabalho rendeu uma coisa tão especial.

3. É PRECISO ESCREVER POR AMOR, NÃO DINHEIRO

Esse é um tópico que me dói o coração. Ser escritor parece algo extremamente glamuroso e enriquecedor, a gente sempre vê nossos autores favoritos enchendo livrarias em noites de autógrafos, lotando teatros com suas palestras e lançamentos, tirando fotos com centenas de pessoas quando fazem tour. Mas infelizmente a realidade não é essa para todos. Quem dera se escrever desse dinheiro, digo isso como uma aspirante a escritora que viu o sonho murchar um pouquinho depois de conhecer a realidade de um mercado editorial em um país que não lê e que não está disposto a pagar pelo livro.

Infelizmente, a literatura não é valorizada e é difícil reverter esse cenário num futuro próximo. Se tem algo que eu ouvi não apenas desde que entrei nesse mercado, mas ao longo da minha vida foi "livro é muito caro", "nossa, pagar 30 reais em um livro? jamais", "a edição desse livro é tão linda, tem capa dura, páginas coloridas, pena que custa R$50, não vai rolar". A verdade é essa: as pessoas estão dispostas a deixar 40 reais na mesa do boteco na noite de quinta-feira sem nem pensar, mas acham que um bom livro não vale esse preço.

Os autores não querem investir um centavo na produção do livro e é compreensível, afinal, você passou sabe-se lá quanto tempo dedicando seu corpo, sua mente e seu coração ao seu original e depois você ainda precisa pagar pelo seu trabalho? Repito, como aspirante a escritora eu entendo perfeitamente o quão desestimulante é isso, mas desde que comecei a trabalhar em uma pequena editora, comecei a entender o outro lado também.

Veja, uma editora grande tem aporte para bancar diversos projetos sem precisar que o autor invista um centavo, seja com a produção do livro, seja com propaganda do mesmo. E é preciso entender que publicar um livro em um país com poucos leitores é caro. Em lugares onde as pessoas têm o hábito de ler muito, as tiragens maiores ajudam a baratear o livro, o que não acontece no Brasil. Uma pequena editora, por exemplo, precisa imprimir pequenas tiragens e bancar o custo de toda a produção desses exemplares, sem garantia de espaço em livrarias para conseguir ter retorno. Nós, amantes de livros e histórias, às vezes nos esquecemos que publicar livros também é um negócio e que, portanto, precisa ser rentável para se sustentar. Sem investimentos, mesmo que pequenos, por parte dos autores, é difícil manter o negócio e, acima de tudo, a qualidade do livro publicado.

Escrever, na esmagadora maioria das vezes, é um trabalho de longo prazo, o retorno dificilmente será imediato. A menos que o autor já tenha influência, tenha um público fiel que acompanha seu trabalho, tenha uma base aberta ao seu propósito, amigos e conhecidos influentes, e uma editora que tenha recursos para investir em muito marketing, é difícil deslanchar de repente.

Então se o autor quer escrever por amor à sua arte, conquistar um cantinho na literatura nacional, e quer deixar sua marca, tem espaço sim. Quem sabe se todos trabalharem juntos, esse espaço algum dia será maior?

4. EXISTEM HISTÓRIAS INCRÍVEIS QUE NÃO CHEGAM ÀS LIVRARIAS

A gente tende a achar que todos os livros que existem estão na vitrine da livraria do shopping perto de casa, mas existe muita coisa maravilhosa espalhada por aí sem receber o destaque que merece.

A distribuição dos livros nas livrarias é algo que pouca gente sabe de verdade como funciona. Seria lindo se todo autor pudesse ter um espacinho em alguma prateleira de uma megastore para tentar vender seu livro feito com tanto amor e dedicação. Também seria lindo se as livrarias expusessem os livros apenas por puro apreço à sua história. Infelizmente, não é isso que acontece.

Para uma editora comercializar seus livros em livrarias é preciso ter investimento em tiragens um pouco maiores, ter um representante comercial disposto a levar seus títulos aos livreiros, ter aporte para enviar os livros por consignação e só receber o dinheiro alguns meses depois (se receber) e muitos outros fatores que influenciam esse caminho. É claro que não é raro ver livros de pequenas editoras disponíveis em livrarias, mas é preciso lutar com unhas e dentes contra as grandes editoras e grupos editoriais para conseguir pelo menos um décimo do destaque.

Muitas editoras pequenas ou independentes investem em autores nacionais e publicam livros de qualidade que, devido ao sistema de distribuição e à hierarquia de poder dos grandes grupos editoriais, não ganham destaque nas livrarias e, muitas vezes, nem chegam às livraras. Sinto minha alma murchar um pouco quando penso em quantos livros incríveis não viraram best-sellers por causa desse sistema. Às vezes o livro nem precisa virar best-seller, só o fato de que uma história incrível deixou de mudar a vida de uma pessoa já é desanimador.

Deixo a dica de pesquisar o catálogo dessas editoras menores, sempre disponível nos sites, e explorar as páginas e páginas de livros incríveis que, se dependesse das livrarias, nem ficariam expostos.

Gostou de um livro? Peça diretamente no site das editoras ou, caso elas não tenham essa opção, encomendem com livrarias, falem a respeito do livro nas redes sociais. Muitas demandas podem ajudar a chamar a atenção para o livro e tornam mais fácil o canal entre vitrines e estoques.

5. A PRÉ-VENDA É IMPORTANTÍSSIMA

Desde que comecei a trabalhar em uma editora percebi que muita gente sequer sabe o que é uma pré-venda. Foram inúmeros e-mails e ligações de pessoas insatisfeitas porque não conseguiam entender o porquê do livro comprado em pré-venda há 20 dias ainda não ter chegado, mesmo com avisos e previsões de entrega expostas na descrição do produto.

Para quem não sabe, uma pré-venda corresponde a um período de tempo em que já é possível garantir seu exemplar para recebê-lo assim que ele for lançado. Uma pré-venda pode ter alguns benefícios como livro autografado ou até mesmo brindes. Não é sempre que isso acontece, mas algumas editoras procuram estimular os leitores a comprarem oferecendo esses mimos.

Como sempre tive o hábito de comprar livros pela internet, estava familiarizada com o conceito da pré-venda e seu funcionamento, mas o que eu não sabia é como ela é importante para uma editora, principalmente uma pequena editora. A pré-venda é essencial para ajudar a pagar os custos da produção do livro enquanto ele está sendo produzido. Cada etapa do processo demanda um profissional diferente que precisa ser remunerado, ainda mais se o trabalho for terceirizado, como acontece com frequência com capistas, preparadores e revisores de texto. Os custos de gráfica são alguns dos mais caros de todo o processo e eles nem sempre esperam o lançamento do livro para serem quitados.

Então quando você compra um livro na pré-venda, você está ajudando a editora a manter o negócio rentável e, acima de tudo, possível, já que editoras pequenas precisam ter uma garantia de que o livro não causará prejuízos para o negócio. Pré-vendas são essenciais para que pequenas editoras tenham fôlego para sustentar parte do negócio e, caso os resultados sejam bons, investir em tiragens maiores.

Pré-vendas também são importantíssimas para os autores. Isso porque muitas editoras, para que os autores não paguem pela publicação do livro, pedem a garantia de venda de um determinado número de exemplares durante esse período. Por exemplo: caso o autor venda 100 exemplares durante o período de pré-venda, não precisa pagar nada e consegue lucrar com o livro. Caso ele não venda o número mínimo, precisa tirar um pouco de dinheiro do bolso para ajudar com os custos.

Parece desanimador, mas é uma das únicas alternativas para que as pequenas editoras consigam se manter e publicar originais de novos autores. Além disso, é uma chance que os autores têm de publicar suas histórias sem precisar desembolsar 20 mil reais (valor exigido por algumas grandes editoras), o que, na maioria das vezes, é inviável. Por isso, sempre que você vir um livro na pré-venda, especialmente se ele for de um autor estreante, pense com carinho em comprar. É uma forma de ajudar pequenas editoras, autores e a literatura como um todo.

6. PUBLICAR HISTÓRIAS É APAIXONANTE

Se por um lado eu aprendi sobre as dificuldades de ser escritor em um país que não lê tanto quanto deveria, por outro eu me apaixonei ainda mais pela produção do livro. Fazer parte do processo de produção de algo que sempre significou tanto para mim e continua sendo indescritível. Contar histórias sempre foi uma paixão e poder ajudar a passá-las adiante é incrível.

Comecei no estágio na esperança de que eu pudesse ver pelo menos um pouquinho de como funciona a produção editorial e acabei podendo fazer de tudo um pouco, desde pensar nas ações de divulgação dos livros e conversar com autores até selecionar os blogs parceiros e coordenar uma Temporada de Originais.

Para quem sempre teve os livros como melhores amigos, trabalhar em uma editora é algo bem especial. Poder fazer parte de todo processo, tanto da análise dos originais, primeiro contato com autores, elaboração e escolha da capa, verificação de provas e conferência dos livros assim que eles chegam quentinhos da gráfica traz uma sensação de realização enorme, principalmente quando são livros cuja coordenação da produção ficou por sua conta. É muito gostoso ver a felicidade dos autores quando seus livros ficam prontos e chegam para os leitores. Também fico extremamente orgulhosa quando entro em uma livraria e encontro um dos títulos da editora exposto nas prateleiras.

Atualmente coordeno a produção editorial de um número razoável de projetos e cada vez que abro a caixa da gráfica para espiar o livro recém-nascido, fico orgulhosa por poder fazer parte de todo o processo, de alguma forma. Mesmo já estando familiarizada com o processo há alguns meses, ainda fico boba pensando em como é incrível ver uma história escrita no Word se transformar em um livro lançado na Bienal.

Livros são mundos inteiros encolhidos em apaixonantes páginas amareladas e, a cada dia que passa, aprendo isso um pouco mais. Como leitora, como blogueira literária e como aprendiz do mercado editorial, tenho cada vez mais certeza de que quero passar a vida publicando e contando histórias.

*Para fins de direitos autorais, declaro que as imagens utilizadas neste post não pertencem ao blog. Qualquer problema ou reclamação quanto aos direitos de imagem podem ser feitas diretamente com nosso contato. Atenderemos prontamente. Fonte: Lean Stone Book Club..

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8 comentários:

  1. Adorei o seu post, e tão bom poder trabalhar com o que a gente gosta né, eu mesma pretendo trabalhar e viver do que gosto, que é escrever livros, sucesso para você nesse novo trabalho 😘.

    https://ithinksoonlogon.blogspot.com/?m=0

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  2. Que post mais lindo da vida. Sonho da vida trabalhar em uma editora e o sonho está ficando perto. Faço frelas com revisão de texto e amo de mais poder participar desse processo, manter contato com o autor, pensar na melhor forma de contar aquela parte da história... Tudo tão intenso e lindo.

    Vidas em Preto e Branco

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    1. Tomara que você consiga entrar nesse universo apaixonante <3

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  3. Que apaixonante este post! Fiquei encantada com tudo o que você aprendeu. É bom enxergar as coisas por um outro ponto de vista. Obrigada por compartilhar isso com a gente ♡

    Elisa Alecrin

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  4. OI Laura, conheci seu blog através de um post do Vidas em Preto e Branco que indicou justamente esse post aqui ♥ Eu adorei conhecer mais sobre isso. Eu sou autora nacional independente, publico na Amazon, e também trabalho como capista, para uma editora pequena e para autores independentes. Lidar com autores é sempre muito dificil mesmo, cada um é de um jeito e quando eles colocam uma coisa na cabeça (como você citou sobre o calendário lunar...) não tira de jeito nenhum! Gostei de saber mais de suas experiências e desejo muito sucesso, espero ver mais postagens assim aqui ♥ Estou acompanhando já, um beijão! Os Delírios Literários de Lex

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    1. Muito obrigada pela visita, Aléxia! Espero que continue acompanhando o blog e se identificando com os posts, fiquei muito feliz com o seu comentário! Muito sucesso pra você como autora, que o mercado te acolha como merece <3

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