Ela
estava cansada daqueles amassos no carro. Será que todos os homens tinham
estabelecido uma regra de que toda noite deveria terminar assim? Parecia um
maldito padrão, todo encontro acabava de alguma forma em beijos sem sentido no
carro – na maioria no dela – e, pior, nem eram tão bons assim. Parecia que
absolutamente todos os movimentos eram pateticamente sincronizados e
coreografados. Todos eram iguais, até a forma de beijar era a mesma. O que
diabos estava acontecendo com os homens desse planeta? Não se lembrava da
última vez em que um homem a fez lutar para desenvolver algum pensamento lógico
em meio a beijos quentes e carícias de tirar o fôlego. Não, naquele momento ela
se perguntava quanto tempo era politicamente correto até que ela pudesse
gentilmente empurrar o homem ao seu lado e lhe dar boa noite.
Quando
foi que todos os homens que ela encontrava tinham estabelecido que terminar a
noite em seu carro era a conclusão ideal para um encontro? Aquele era sempre o
término porque, daquele jeito, ela jamais insinuaria uma continuação em outro
lugar menos apertado e estofado. Uma prensa em algum corredor de bar a faria
sentir melhor do que aquilo, pelo amor de Deus.
Ela
estava definitivamente perdendo as esperanças. Nada daquilo parecia fazer o
menor sentido na sua cabeça. Era algo especial que só ela tinha? Algumas
pessoas sabem cantar, outras conseguem se lembrar de todas as datas importantes
e desinteressantes sem esforço, algumas até arrotam uma canção de natal
qualquer. Ela, aparentemente, tinha a habilidade de sempre atrair o mesmo
comportamento masculino, apenas a embalagem variava.
Estava
cansada de ser o homem da relação. Era completamente a favor da independência
feminina, gostava de saber que não precisava dar satisfações para ninguém, que
era forte e segura por si só e que não precisava entrar em disputas pelo poder
com alguém do sexo oposto. Tinha trabalhado o suficiente para isso mental,
emocional e financeiramente. Mas era pedir demais que algum cara tomasse as
rédeas da situação por alguns minutos? Que os amassos acontecessem no carro
dele e não no dela só pra variar um pouco? Algum daqueles caras que tinha se
encontrado sequer se ofereceu para pagar uma conta? Ela obviamente não
aceitaria, seu orgulho não permitiria, mas ainda assim seria legal escutar a
oferta. Só para saber que ele chegara a pensar naquilo. O último cara que abriu
alguma porta pra ela era tão babaca quanto o que a deixou vinte minutos
esperando. Para não pedir desculpas depois.
Como
mulher, às vezes sentia a necessidade de se aconchegar debaixo do braço de
alguém e se deixar ser mimada um pouco. Quando aquilo tinha acontecido pela
última vez? Será que sequer aconteceu? Que ótimo, ela nem conseguia se lembrar.
Era toda a favor da sua independência, dar satisfações para algum cara que achava
que tinha o direito de controlá-la era a última coisa que queria na vida.
Mas...
Naquele momento, enquanto sua mente inutilmente se esforçava para se focar nos
lábios que se moviam contra os dela, ela pensou que queria um homem. Um homem.
Não alguém como o sujeito que parecia não saber o que fazer com sua língua.
Queria um homem que a fizesse se sentir segura, que a fizesse se sentir como se
fosse a última mulher na face da terra porque ele com certeza seria o único que
importaria pra ela. Queria um homem que, ao perceber o fogo que ela escondia
nos olhos, a prendesse contra seu corpo e a mostrasse o que ela vem perdendo
com todos aqueles babacas que só sentavam no banco do passageiro. Ela queria
deixar o controle nas mãos de outro, só para ver como seria. Só uma vez. Só pra
variar. Queria um homem que entendesse exatamente o que ela queria, que
soubesse ler com seu corpo todas as palavras que a pele dela iria gritar para
ele. Um homem que não fosse um brutamonte sem controle ou um ser tão sensível
que tinha medo de tocá-la direito. Precisava de alguém que entendesse seu
ritmo, porque ela sabia, ah como sabia, que se encontrasse um homem capaz de
fazer seu sangue latejar por seu corpo, não iria se segurar.
Estava
cansada de sentir um cheiro diferente no seu carro a cada encontro que tinha.
Isso quando ela se permitia “aproveitar” um pouco mais. Queria sentar no banco
do passageiro pra variar, abrir mão nem que fosse momentaneamente do controle
que tinha adquirido tão bravamente. De que adiantava ser daquele jeito se
ninguém tinha coragem de desafiá-la de vez em quando? Queria um cheiro, e só
um, impregnado nos bancos do seu carro, nas suas roupas, no seu quarto, no seu
travesseiro. E, só pra variar um pouco, queria deixar sua marca em alguém. No
carro de alguém, nas roupas de alguém, na pele de alguém.
Uma
vez na vida ela queria que a convidassem para um encontro de verdade ao invés
de esperar que ela planejasse todos os detalhes. Uma novidade? Ela gostava de
ser surpreendida. Queria que a deixassem em casa e que se oferecessem para
buscá-la de vez em quando. Não aguentava mais cuidar dos outros, queria ser
cuidada também. Só um pouquinho. Só para satisfazer um pouquinho aquela
necessidade que a consumia dia após dia.
Estava
cansada de sempre ser aquela que escolhe o filme que iriam assistir no cinema;
aquela que escolhe a vaga no estacionamento porque, afinal, é ela quem sempre
dirige; estava cansada de sempre ser aquela que faz as sugestões. O que ela
passou a fazer? Sugerir os mesmos programas porque, afinal, eram todos iguais,
não eram? Deus, até os assuntos eram os mesmos. Os mesmos comentários, a mesma
maneira de tocá-la, a mesma abordagem. Sentia como se estivesse vivendo o mesmo
dia repetidamente. E não era um ótimo dia. Era só... Bom. Ok.
Será
que o problema todo era ela? Só podia ser, não havia outra explicação. Era
pedir demais que um cara a levasse para algum lugar além do principal shopping
da cidade e do restaurante fast-food
mais famoso dali? Não fazia questão nenhuma de ir no lugar mais caro e requintado
da cidade, daria tudo por um sorvete dividido no banco da praça do bairro. Não
era como se não houvessem lugares pra ir, coisas pra fazer. Tudo o que queria
era que aparecesse algum homem que não fosse como os outros, não era tão
difícil. Ela só queria ser tirada daquela maldita mesmice.
Só.
Isso.
Sentia
como se pudesse se relacionar com dezenas de homens e ainda assim se sentiria
carente de algo que ela não sabia nomear. Não fazia ideia de como lidar com
aquilo.
Ela
praticamente implorava por um homem que a tratasse de igual para igual. Não
queria ser controladora, não queria ser controlada. Queria uma constante
disputa em que nenhuma das partes saísse perdendo, porque seria delicioso
descobrir quem estaria no comando daquela vez. Queria que tornassem as coisas
interessantes, um cara que fizesse seu coração bater mais rápido da maneira
mais deliciosa do mundo. Porque, naquele momento, ela poderia muito bem estar
assistindo televisão, sua pulsação seria a mesma.
É...
talvez fosse mesmo uma megera.
Voltando
para sua presente companhia, ela até tentou instigá-lo mais. Passava as mãos por
seus cachos negros, deixava os dedos correr por seus braços e peito, mas ele
parecia estar confortável fazendo a mesma coisa há quinze minutos. Beijava sua
boca de uma maneira quase que mecânica. Ela suspirou.
Interrompeu
o beijo o mais delicadamente que conseguiu. Quando se afastou percebeu que seus
olhos azuis estavam entreabertos e a olhavam de forma curiosa. Ele tinha olhos
muito bonitos. E até ofegava um pouco. Não é possível que estava gostando
disso, ela pensou.
O
problema era ela. Definitivamente.
–
Boa noite – ela murmurou forçando um sorriso e tentando ao máximo não ser
indelicada.
–
Mas já? – Sua voz parecia decepcionada.
O
que ele esperava? Que continuassem por mais duas horas aquela seção de beijos
sem sal e sem química alguma? Eles ainda nem haviam saído do estacionamento do
shopping.
–
É, estou cansada – ela suspirou dando de ombros.
Cansada
de se sentir aquele lixo, aquela mulher sem coração e frígida. Estava cansada
de sentir coisas que sabia não corresponderem ao que ela era de verdade. Cansada
de mais do que ela era capaz de descrever em palavras, na verdade.
–
Tudo bem então – ele sorriu. Não era uma má pessoa, ela sabia. Só não era o que
ela precisava naquele momento. Talvez nem ela mesma soubesse o que queria. Só
sabia que não eram momentos assim.
Ele
abriu a porta do carro e se virou para ela novamente.
–
Me liga?
Ela
se encolheu mentalmente. Fez um esforço hercúleo para reprimir o suspiro que se
formava em seu peito.
Apenas
sorriu e acenou se despedindo.
–
Tchau – murmurou sem saber se ele ouviu. A porta já havia sido fechada.
Contou
até dez mentalmente e deixou sua cabeça descansar no volante enquanto sua mão
direta tateava o rádio tentando ligá-lo. Precisava ouvir qualquer coisa que não
fosse aquele silêncio ensurdecedor do seu carro e seu coração que batia
lentamente ecoando em seu ouvido.
Reunindo
toda sua força de vontade, obrigou a si mesma a enjaular aqueles sentimentos
amargos em seu peito. Poderia sentir pena de si mesma quando chegasse em casa.
Seu travesseiro seria um companheiro melhor que o volante que com certeza
estava deixando uma marca vermelha em sua testa.
Ergueu
a cabeça e procurou o retrovisor para dar uma olhada em seu reflexo. Seus
cabelos estavam quase que perfeitamente arrumados e na cabeça dela aquilo era
sempre um sinal de como a noite não correspondera às expectativas. Seus lábios
estavam um pouco mais avermelhados, mas sua maquiagem estava intacta e só
precisou de alguns instantes antes de voltar sua atenção para o painel.
Colocou
o rádio na estação que mais gostava e ligou o carro.
Suspirando
pelo que facilmente poderia ser a centésima vez naquela noite, se apressou para
sair dali. A caminho de casa, deixou que as luzes da cidade iluminassem o
interior do carro, os pontinhos de luz coloridos que atravessavam a janela e tatuavam
sua pele eram como pequenas carícias amigas. Ela se sentiu um pouco confortada.
A
noite estava bem fresca, pedia por uma bebida quente. Ela amava noites assim. Decidiu
que quando chegasse em casa prepararia um chocolate quente e se esconderia
entre cobertas no sofá enquanto zapeava pela televisão. Aquele era um plano.
Permitiu
que sua mente se focasse na balada que saía do som e preenchia os espaços
vazios do carro, outra pessoa podia cantar seus desejos o quanto quisesse. Ela
só queria ir pra casa e tentar não pensar no quanto não gostaria de se sentir tão sozinha.
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