A
porta se fechou com um barulho oco que vagou pelo cômodo mudo.
Não
havia nada para se falar por mais que o silêncio implorasse por palavras. A
janela espessa continha os sons da metrópole que nunca descansava enquanto
apenas o murmurar do ar condicionado preenchia o quarto que, até alguns
instantes atrás, estava deliciosamente quente. Abafado. Palpável.
O
frio lençol arrepiava sua pele de uma maneira deliciosa, era refrescante.
Naquele momento ela se agarrava àquele pequeno carinho. Queria o toque de
dedos, o ofegar de uma respiração em seu ouvido, a intensidade contida em um
olhar que não queria desviar. A cama não deveria ter ficado tão fria como
naquele momento. E ela não podia se sentir tão gélida.
Pensou que se fechasse os olhos naquele exato
momento e tentasse escutar com atenção, poderia captar o tímido barulho de
passos se afastando pelo carpete do enorme corredor. Mas não conseguiu. Ele já
estava longe dali. Poderia ter sido mais uma despedida, ela pensou, não gostara
do modo como disseram adeus.
Com
os olhos bem abertos, a cabeça se recusava a deixar aquele cômodo. Ela tinha
certeza que deveria estar agitada, se estivesse em seu estado normal, sua mente
com toda certeza estaria trabalhando furiosamente, analisando cada segundo
daquilo que tinha acontecido ali. Se estivesse sã, talvez não estivesse tão
calma. A verdade é que ela nunca se sentira tão em paz na vida. Sabia que esse
sentimento não duraria muito, mas naquele momento poderia aproveitar a quietude
que acariciava seus pensamentos.
Pelo
chão estavam algumas peças de roupa, jogadas ali, prontas para serem esquecidas
ao primeiro olhar mais furtivo.
Não
demoraria muito para o dia amanhecer, mas ainda era cedo. Bem cedo. Alguns
tímidos feixes de luz entravam pela densa janela do quarto de hotel, quase como
se quisessem tocar o que o pouco que o lençol não cobria.
Ela
queria se sentir suja, afinal, era assim que deveria se sentir, não é? Tinha
passado a noite com um homem que provavelmente nunca mais iria reencontrar, por
mais que seu coração se apertasse um pouquinho com aquele pensamento. O mais
novo “antigo estranho” nem sequer passaria o resto da noite com ela e ela
acordaria na companhia de uma cama vazia. Isso se conseguisse dormir. Deveria
se sentir suja e um tanto quanto vulgar, mas não conseguia.
O
travesseiro escondeu parte do sorriso que tomou conta de seus lábios. Ela se
sentia bem. Muito bem. Nostálgica, pensativa e um tanto solitária enquanto
tentava entender a avalanche de emoções que percorreu seu corpo depois que
escutou a porta se fechar. Mas bem. Como há muito tempo não se sentia.
Não
podia comparar aquela emoção com qualquer uma que suas lembranças jogassem para
ela. Poucas vezes havia sentido tanto em tão pouco tempo. Era um tanto quanto
cômico pensar que ela esperou tanto tempo para sentir tudo aquilo e que tivesse
durado apenas algumas horas. Ela pediu e o destino lhe deu, mesmo que fosse
apenas por um instante. Irônico, ela pensou. Às vezes a vida pregava essas
peças.
Não
havia estabelecido um tempo, não enviou um pedido formal para Deus ou quem quer
que estivesse fazendo tudo aquilo acontecer. Não podia simplesmente voltar
atrás em seu pedido e acrescentar: “ah, quero que dure dias, semanas, quero
algo duradouro!”. Ela conseguiu o que queria e não podia reclamar. Foi curto,
foi. Mas ah, como foi bom. Nem sabia o quão vazia estava se sentindo até se
sentir tão viva, tão cheia de si. Em si.
Rolou
para o outro lado da cama e inspirou o cheiro de um estranho nem tão estranho
assim. Pelo menos ele não parecia tão inalcançável assim. Alguns flashbacks
tomaram conta de sua mente e ela, mais uma vez, não conseguiu domar o sorriso
que tomava sua boca.
Não
queria pensar no depois, não queria pensar que a qualquer momento seu
despertador tocaria e ela teria que ir embora dali. Naquele momento ela só
queria ficar onde estava, se deixar absorver por tudo aquilo que poderia ser e
não foi. E o que foi e acabou. Tão inesperadamente quanto aquela situação a
agarrara, ela teria que bolar um plano para o amanhã. Ela ainda não estava
preparada para se despedir do ontem.
Naquele
momento ela podia se permitir fechar os olhos e reviver algumas cenas até que
elas estivessem impregnadas na sua mente. Naquele momento ela se daria ao luxo
de pensar que a manhã seria mais fácil, que ela conseguiria seguir em frente
sem muitos problemas. Naquele momento ela era dona de si mesma, por mais que um
pedacinho tivesse sido levado assim que aquela porta se fechou atrás dele.
Naquele momento, tudo estava bem. Estranho, diferente, inesperado. Mas bem.
Ela
sabia que assim que acordasse teria que abandonar aquela cama, por mais que
cada fibra de seu ser gritasse para que ela ficasse mais um pouquinho.
Com
um suspiro cheio de significados intangíveis, se virou e, se esparramando na
cama, abraçou o outro travesseiro. Se ela tinha que dormir sozinha naquela
noite, que pelo menos fechasse os olhos enquanto inspirava o cheiro daquele que
permaneceria em seus pensamentos por algum tempo.
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