Sonhos ao mar
Vez ou outra acontece alguma coisa que nos toca de forma inexplicável.
Algum punho de ferro que, sem mais nem menos, aparece para apertar o peito e
nos lembrar de que existe um mundo além da viseira do dia a dia.
Uma imagem vale mais do que mil palavras. E às vezes até gostaríamos que
alguém tivesse nos explicado algo em letras para que não precisássemos ver com
os olhos. Uma imagem correu o mundo, uma imagem de um assunto que muitos sequer
prestavam atenção porque não lhes dizia respeito. Não estou aqui para entrar em
discussões políticas, só precisava deixar um desabafo de alguém que se sentiu
duramente tocada por uma realidade completamente diferente da que vive. Um
desabafo que, por causa da partida de futebol do dia anterior, do cômodo silêncio
matutino antes das aulas, da última revelação musical, não foi ouvido com o
mesmo entusiasmo ou atenção. Alguns assuntos são prioridade, certo?
Só gostaria de saber a que ponto chegamos. Em uma época de crise
existencial coletiva e descrença total, é difícil acreditar que vivemos todos
num mesmo mundo e que o mundo seja esse. Quando foi que nos perdemos? Em que
momento exatamente a balança enlouqueceu e inverteu todos os pesos e medidas
nos quais tanto nos agarrávamos? Só queria entender como, de repente, tudo
parece estar absolutamente fora do normal. Porque, honestamente, me recuso a
acreditar que a realidade seja essa.
Em meio a tanta violência é difícil acreditar que existe outro olhar que
não seja o de pura descrença. O mundo todo foi tocado por um cinzento
sentimento de impotência e compaixão. Um assunto que antes era deixado de lado
por motivos egoístas teve que ser posto à mesa. A efêmera realidade da vida nos
obrigou a nos agarrar à imanente significância da alma. Da noção de bem. Foi
preciso encontrar um pequenino corpo para que o mundo voltasse os olhos para
algo que todos têm direito: vida.
No meio de tanta cegueira,
encontrar um ínfimo ponto de luz se torna uma batalha diária. Exaustiva. Desestimulante. Às vezes é preciso procurar
um motivo para tudo aquilo que nos nega respostas. Essa imagem me tocou em um
momento que o mundo já não era mais tão colorido quanto eu acreditei que fosse.
Talvez nunca tivesse sido, talvez fosse só a minha visão mais romântica das
coisas. Ou quem sabe tenha vindo na hora certa para mostrar a profunda
eternidade das coisas?
Honestamente acredito que tudo seja parte de um ciclo e que,
eventualmente, alguns se completam mais rapidamente que outros. Seja qual for a
resposta para isso tudo, tenho a certeza de que um propósito teve. Tem que ter.
Fez brilhar a luz da inocência e abriu os olhos da ignorância. Se isso for
suficiente para que uma mudança aconteça nessa realidade distorcida, que pelo
menos não tenha sido em vão.
Algumas pessoas vêm pra esse mundo como estrelas cadentes. Só serão
visíveis por um segundo, mas, pontos de brilho intenso, são capazes de tocar
até a mais escura das almas que, no meio de uma gigante constelação, só precisa
de um resquício de luz para ser lembrada de que a vida vale mais do que isso
tudo.
Texto em homenagem à
Aylan Kurdi, menino sírio de três anos que morreu afogado após o naufrágio de
uma embarcação de refugiados.
9 comments
Simplesmente lindo!!
ResponderExcluirTexto emocionante e de tocar qualquer coração <3
Você escreve muitoo bem!!
Beijinhoos :**
http://queridaasmemorias.blogspot.com.br/
Muito obrigada, fico feliz que tenha gostado!
ExcluirO texto está lindo... estou sem palavras! Gostaria de deixar um verso de uma música que, acredito eu, defina bem o que está acontecendo. "O mundo está ao contrário, e ninguém reparou" Beijos
ResponderExcluirPs Linda iniciativa de escrever um texto, sobre uma coisa que poucos se interessam hoje em dia, infelizmente. :/
Obrigada, Lavínia! O mundo parece mesmo estar ao contrário, infelizmente. E isso tira o nosso chão de vez em quando, né?
ExcluirQue texto mais lindo! Fiquei emocionada, de verdade. Me identifiquei muito, tenho uma forma de pensar parecida com a sua.
ResponderExcluirSe existir algo além da morte, que esse menino e todos os outros refugiados que foram mortos ao longo de todos esses anos, que eles descansem em paz.
www.vivendodedevaneios.blogspot.com
Que pelo menos a morte dele não tenha sido em vão, né? Dos males o menor, eu acho :(
ExcluirQue texto incrível. Assim que vi a primeira foto dele na internet, não havia nem visto a notícia e nem sabia direito do que se tratava, mas senti um aperto tão forte no peito que quase desabei. Tem tanta coisa ruim por aí, que é quase impossível ver as coisas boas prevalecendo.
ResponderExcluirÉ uma foto impossível de não sentir uma sensação horrível de impotência. Você vê uma barbaridade dessas e não pode fazer nada a respeito a não ser refletir sobre o quão perdido esse mundo está e a gente nem se dá conta disso.
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