Rosa champagne
Ela caminhava a passos pesados pela grama baixa. Com a
cabeça baixa tomava cuidado para não pisar nos lugares errados, se esforçava
para acompanhar o homem à sua frente. Não sabia se fincava seus pés no chão e
esperava por ele ou se o acompanhava naquele ziguezague extenuante. Parou de
seguí-lo algum tempo depois e respirou fundo.
Quando acordou naquela manhã o sol prometia castigar, mas
naquele momento eram as nuvens carregadas que marcavam presença no céu. Ela não
saberia dizer o que estava mais cinzento, o clima ou aquele momento.
Perfeito,
pensou com ironia.
Seus cabelos voavam em todas as direções, tinha que
passar a mão por entre as mechas louras o tempo todo tentando mantê-las
minimamente comportadas. Obrigou seus pés a caminharem, não conseguia ficar
parada.
Dava passos curtos e nada precisos. Rodava a rosa entre
os dedos sem se importar muito que algum espinho pudesse alfinetá-la. Naquele
momento estava mais preocupada com o rumo de seus pensamentos. Quando ergueu o
rosto percebeu que algumas pessoas a observavam de longe e não entendia o
motivo. Estava ali sozinha, mas não podia ser isso o que chamava a atenção.
Será que alguém a reconhecia? Não, ela pensou. Não conhecia nenhuma daquelas
pessoas. Por algum motivo ela atraíra olhares naquele lugar. Respirou fundo e
fechou os olhos por um momento, tudo o que queria era ficar invisível.
Ignorando
o desconforto, segurou o cabo da rosa com as duas mãos e olhou ao redor. A grama
cobria praticamente toda a colina como um fino tapete verde exceto pelos
pequenos retângulos de mármore. Algumas árvores se destacavam na paisagem
mórbida, indo desde a parte mais baixa até as partes mais altas da colina como
se quisessem tocar o céu.
Alguns
pequenos grupos conversavam entre si, suas feições sempre neutras, vez ou outra
esboçando um franzir de sobrancelhas e um olhar distante. Algumas pessoas
caminhavam pelas pequenas ruas asfaltadas e eram consoladas por conhecidos
enquanto se debulhavam em lágrimas. Havia poucos solitários como ela e todos
pareciam querer sumir diante dos olhares estranhos.
Não
sabia porque estava naquele lugar, mas sentia que precisava.
–
Aqui. – O homem uniformizado parou de caminhar e fixou seu olhar no chão.
Ela
respirou fundo mais uma vez antes de ir ao seu encontro.
–
Obrigada. – Sorriu com os olhos marejados.
O
homem lhe respondeu com um aceno e retribuiu o sorriso se afastando dali.
Ela
apertou a rosa entre os dedos e olhou para o retângulo de mármore aos seus pés.
Sentiu um aperto no peito e se agachou.
O nome
estava quase todo coberto por uma fina camada de folhas, terra e poeira. Passou
a mão afastando o quanto pôde aquela sujeira até que as letras ficaram visíveis
novamente. Suspirou e sentiu seus olhos ficando cada vez mais úmidos.
Ela
honestamente não sabia porque se sentia daquela maneira. Não era como se
estivesse ali por causa de qualquer tipo de laço. Ela sequer conhecera
profundamente aquela mulher. Tinha dito que iria até aquele lugar apenas por
respeito, para prestar um favor. Mas engara a si mesma. Precisava ir até ali
para sentir o que estava sentindo, para tirar da cabeça tudo aquilo que
martelava em seus pensamentos.
Às
vezes o inesperado acontece. Ela com certeza não esperava que aquilo
acontecesse. Ninguém esperava que a vida daquela mulher fosse simplesmente...
acabar. As pessoas morrem, mas não deveria ser daquela maneira. Mas de que
maneira deveria ser afinal? Quando tanto sofrimento está envolvido, quando
tanta dor se acumula dentro de uma só pessoa, que escolha existe?
Em
poucos segundos, ela não soube como reagir à avalanche de emoções que tomaram
conta de seu corpo. Tristeza, pena, admiração, nostalgia, respeito. Medo. Ela
sentia tudo e não sentia nada ao mesmo tempo.
Quando
lágrimas começaram a rolar por sua face ela se sentiu estúpida. Não tinha o
direito de chorar sob aquele túmulo. Ou será que tinha? Sequer sabia porque
estava ali. Só sabia que precisava descobrir. Não tirou os olhos das palavras
nem por um momento, nem quando olhou tão fixamente que a combinação de letras não
fazia mais sentido.
Acariciou
as pétalas da rosa e levou-a até o nariz uma vez antes de depositá-la aos seus
pés. Abraçou a si mesma se sentindo completamente sozinha em meio ao turbilhão
em que sua mente se encontrava. Ela não sabia o que pensar, não sabia como
deveria se sentir.
De
repente tudo fez sentido. Ela não estava ali porque conhecera aquela mulher,
porque conversaram algumas vezes. Não. Ela estava ali porque tinha medo de
conhecer a si mesma. Tinha medo de se identificar, de perceber que talvez não
eram tão diferentes assim. Precisava ir até ali para saber como se sentiria, e
tinha se assustado com o que sentia.
Não
queria ter ido ali sozinha, queria poder compartilhar tudo aquilo que estava
pensando com alguém, mas sabia que não entenderiam. Sabia que, querendo ou não,
precisava fazer aquilo por si mesma.
Chegara
naquele lugar com um aperto no coração, como se algo estivesse preso ali dentro
sem saber como sair. Mas já não era mais assim. Estava confusa, um pouco
assustada e sentia-se sozinha, mas agora tinha certeza de uma coisa.
Deixou
que a brisa secasse parte de suas lágrimas e acariciando as pétalas da flor uma
última vez, levantou-se. Não olhou de novo para o nome antes de se virar e
andar para longe dali.
Olhou
por cima do ombro sentindo como se estivesse dando adeus para uma sombra dentro
de si mesma. Não se permitiria ter o mesmo destino, jamais. Talvez não fossem
tão parecidas assim, pensou. Ela não permitiria que fossem. Seria forte por si
mesma, sabia que era capaz. Suas sombras só seriam causadas pelo sol, não por
si mesma. Precisava ir ali para redescobrir essa certeza.
Enquanto
caminhava, olhou para trás uma vez. Apenas uma vez.
2 comments
Olá !
ResponderExcluirCaramba ! Você escreve muito bem :)
Fiquei muito admirada com o seu texto . A emoção está presente em cada palavra , e isso deixa o seu texto com uma qualidade incalculável .
Mais uma vez te parabenizo pelo seu texto / blog . Eles estão nota 100!
Já estou seguindo o seu blog . Será que poderia seguir o meu ?
http://coisasdediane.blogspot.com.br/
Muito obrigada por comentar, ainda mais elogiando, significa muito <3 Espero que continue visitando o blog e gostando dos textos, espero te ver sempre aqui hein? ;) Obrigada por seguir, já estou te seguindo também!
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