O inverno daquele ano havia chegado de forma rigorosa. A
lua cumpria seu papel e prateava aquela noite assustadoramente negra. Pequenos
pontinhos brancos caíam do céu e se encaixavam em tudo o que estivesse ao seu
alcance pintando a paisagem. A temperatura parecia cair cada vez mais. O
asfalto estava coberto de gelo e as casas mal podiam ser vistas por baixo do
grosso manto de neve.
Ele estava no seu lugar de sempre, escolhido entre
jornais, papelão e alguns trapos que um dia foram considerados cobertores. Há
algumas semanas havia encontrado esse shopping center a céu aberto e tomou pra
si um beco coberto entre duas lojas; uma de ferramentas, outra de cosméticos. Todo
dia prometia a si mesmo que encontraria outro lugar, mas parecia que o inverno
não perdoava e cada vez que a noite chegava perdia a coragem de sair dali. Já
havia desistido de encontrar um abrigo que o aceitasse, nessa época do ano não
havia mais nem uma única cama disponível e as filas para uma noite também
estavam longe de serem animadoras. Aquele era seu canto no mundo, feio,
precário e esquecido, mas ainda assim era seu canto.
Ajeitou seus trapos e se encolheu quando viu os flocos de
neve caindo do céu. Seria mais uma noite daquelas, pensou. Não era muito tarde
ainda, mas o fluxo de pessoas que estavam passeando ali estava surpreendente.
Podia ouvir risadas e trechos de conversas banais.
As pessoas que passavam por ele apressavam o passo com
medo e desconfiança, mas não as julgava, também sentiria um certo desconforto
se não fosse ele naquela situação. Não se sentiu incomodado, só queria um lugar
para descansar um pouco e não pensar no que faria no dia seguinte. Assim que se sentiu razoavelmente
confortável, seu estômago roncou alto e ele se permitiu murmurar uma reclamação
alta.
Uma mulher muito bem vestida e devidamente agasalhada
passou por ele e, assim como os outros, andou mais rápido. Nem se deu ao
trabalho de prestar atenção em suas feições, as pessoas eram como sombras que
passavam por ele. Como se nunca pudesse tocá-las, tampouco pertencer ao mesmo
mundo que elas.
Tentando
esquecer o frio e a fome, se obrigou a dormir um pouco, talvez quando abrisse
os olhos estaria tudo um pouco menos pior. Como não podia contar com a chegada
da primavera tão cedo, tinha a esperança de que quando abrisse os olhos seria
acordado com a luz do sol aquecendo sua pele e driblando um pouco o inverno.
Algum tempo depois foi acordado com o barulho de passos
desajeitados. Droga, ainda não era dia, pensou com desprezo. Ergueu o rosto buscando o ruído e tentou distinguir com olhos cansados os contornos da
pessoa que andava em sua direção. Reconheceu a mulher que havia passado por ele
por causa de suas roupas escuras que pareciam ser muito quentes e confortáveis,
lembrava de ter pensado. Ela carregava várias sacolas nos braços enquanto
tentava se equilibrar nos saltos que definitivamente pareciam caros. Por alguns segundos considerou a
hipótese de ajudá-la, mas teria que sair de seu canto e temia que ela fosse
gritar ou agredi-lo se chegasse perto demais. Estava enganado.
Chegando
perto dele, a mulher se agachou e, apesar do frio congelante, deu um sorriso capaz
de aquecê-lo de dentro para fora. Ela tinha um sorriso bonito, pensou.
–
Boa noite, senhor, desculpe incomodá-lo. Não é muito, mas espero que seja do seu
agrado. A noite de hoje está castigando de verdade. – Com isso ela se levantou,
sorriu novamente e se afastou, dessa vez andando de maneira mais segura.
Ele
abriu as sacolas e arfou surpreso. Não pôde deixar de olhar em volta para ver
se havia algo errado. Ela havia lhe dado dois novos e espessos cobertores,
várias meias que pareciam bem resistentes, um casaco preto bem grosso, luvas de
couro e dois gorros. Ao abrir as outras sacolas quase queimou a mão com as
embalagens quentes de sopa e café.
Não
esperou nem um segundo para atacar o primeiro pote de sopa, nem se importou em
queimar os lábios. Encontrou na sacola de comida algumas fatias de pão e quase
gemeu de satisfação. Estava louco para vestir o novo casaco e se encolher nos
cobertores, mas o frio teria que esperar, aquilo estava bom demais. Depois de
se esbanjar com a comida e se deliciar com o café, arrumou seu canto da melhor
maneira possível e se sentiu satisfeito ao deitar. Não se sentia assim há muito
tempo.
Os
flocos de neve continuavam caindo e ele deixou sua mente vagar pelo inverno.
Que engraçado, ele pensou. “Não é muito”, ela havia dito, mas para ele ela
havia dado tudo.
Escrevi esse conto para uma prova da faculdade e decidi postar aqui. O que achou? Gostou do conto? Já escreveu algum parecido? Não deixe de comentar!
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